sábado, 28 de maio de 2016

O identikit do sacerdote


"Quais seriam, então, - se de fato existem -, as "três velocidades" da Igreja italiana? A primeira é, sem dúvida, o entendimento dos bispos. A segunda está contida na evidência de que o clero carece de uma análise sociológica e estatística séria. Os últimos dados sobre números, sobre o envelhecimento, e sobre a carga de trabalho dos padres, é ainda do início do milênio. A terceira velocidade é a do clero, normalmente muito pouco consultado; ouvindo falar bispos e padres se percebe logo a dificuldade de diálogo, com uma ulterior falta de comunicação entre padres ordenados há menos de dez anos e sacerdotes com maior maturidade pastoral", escreve Fabrizio Mastrofini, jornalista, em artigo publicado por Settimana News, 24-05-2016. A tradução é de Ramiro Mincato
Eis o artigo.
Aos bispos italianos, Papa Francisco traçou o identikit espiritual e ideal dos sacerdotes, e o Cardeal Bagnasco, presidente da CEI, reafirmou as prioridades do país e do empenho eclesial: trabalho para os jovens, não ao alargamento do conceito de família com a lei sobre uniões civis. Há, na Itália, uma Igreja com duas ou até três velocidades? Ou seriam apenas "armadilhas" jornalísticas, uma vez que a mídia gosta de enfatizar contrastes, por mínimos que sejam? A assembleia dos bispos italianos teve como tema principal o relacionamento e a formação do clero.

A palavra aos protagonistas: o Papa

Papa Francisco, na abertura da Assembleia da Conferência Episcopal Italiana, na segunda-feira, 17 de maio, propôs aos bispos três caminhos possíveis para o identikit do sacerdote. O sacerdote deve irradiar fervor, cujo estilo de vida beba na fonte de um grande amor.
Não se escandaliza, sabe que na sociedade, hoje, a fraternidade é um tema desconfortável, pouco frequentado, mas, por causa disso, duplica seu empenho em aproximar-se das pessoas, especialmente quando se trata de pessoas feridas por experiências difíceis. O estilo de vida simples e essencial é seu melhor cartão de visita, porque enraizado em Cristo. Não é carreirista.
Em segundo lugar, para ser sacerdote é preciso fazer parte de uma verdadeira comunidade eclesial; numa Igreja que avança para águas mais profundas (o papa aqui citando Dom Helder Camara), o sacerdote não é uma figura estática ou sedentária, não está amarrado ao passado, mas precisa ousar; é convertido e confirmado na fé do povo de Deus com quem trabalha.
Em terceiro lugar, a razão última de sua doação embasa-se exatamente em sua adesão convicta de fé e de amor. Quem calcula é infeliz, quem anuncia a chegada do Reino, e não perde tempo medindo prós e contras, é o verdadeiro seguidor do Evangelho e dos apóstolos.
Discurso importante este, em que o Papa Francisco destacou que "nosso sacerdote não é burocrata ou funcionário anônimo da instituição; não foi consagrado para desempenhar papel de funcionário, nem é movido por critérios de eficiência. Ele sabe que o amor é tudo". "Nosso padre", acrescentou, "não busca seguranças materiais ou títulos honoríficos, que o levem a contar no humano; no ministério, não pede nada para si, além do que é realmente necessário, nem está preocupado em ligar as pessoas, a ele confiadas, a si mesmo. Seu estilo de vida simples e essencial, sua disponibilidade, torna-o credível aos olhos do povo, aproxima-o dos humildes, numa caridade pastoral que os liberta e torna e solidários. Servidor da vida, caminha com o coração e o ritmo dos pobres; torna-se rico em sua participação com eles. É um homem de paz e de reconciliação, sinal e instrumento da ternura de Deus, atento em espalhar a bem com a mesma paixão com que outros tratam seus próprios interesses".
Para o papa, "o segredo do nosso presbítero está na sarça ardente, que marca com fogo sua existência, a conquista, e a conforma com Jesus Cristo, verdade última de sua vida. A relação com Jesus o protege, torna-o alheio à mundanidade espiritual corruptora, bem como a qualquer compromisso e mesquinhez. A amizade com seu Senhor leva-o a abraçar a realidade cotidiana, com a confiança daqueles que sabem que o impossível para o homem, não o é para Deus".
Provocadora também as indicações sobre as estruturas da Igreja. "A partir de uma visão do evangelho, não afainar-se numa pastoral de conservação, impedindo a abertura à perene novidade do Espírito. Mantendo apenas o que pode servir para a experiência de fé e de caridade do povo de Deus".

Cardeal Bagnasco

Em seu discurso de abertura, o Cardeal Bagnasco tocou, como de costume, vários temas, a partir daquele dos sacerdotes - dominante para os trabalhos em andamento - até as questões mais prementes relacionadas com a atual política e social. Fez muito barulho o novo “alto lá” dos bispos sobre as uniões civis e a prática da barriga de aluguel que, "aproveitando-se da pobreza, explora o corpo das mulheres". A lei sobre uniões civis - disse o cardeal - "estabelece de fato uma equiparação com o casamento e a família" e "as diferenças não passam de pequenos expedientes nominalistas, ou artifícios jurídicos, facilmente contornáveis, na espera o golpe final".
A falta de trabalho - outra questão social tocada -, unida à pobreza e à dependência de jogos de azar, por exemplo, são problemas em relação aos quais "as pessoas querem o Parlamento empenhado, sem distrações e perda de tempo e energia, porque estes são os verdadeiros problemas do país, isto é, do povo. Por isso, não se compreende como se possa esbanjar tão vasta ênfase e energia em causas que não respondem às reais necessidades, já previstas, por outro lado, pelo sistema jurídico, mas a esquemas ideológicos". Há cada vez mais pobres na Itália - disse Bagnasco - enquanto a riqueza fica cada vez mais concentrada em mãos de poucos, muitas vezes corruptos. "A pobreza absoluta, recordou à assembleia dos bispos, ataca 1,5 milhões de famílias, num total de 4 milhões de pessoas, 6,8% da população italiana! Enquanto a população pobre se alarga, engolindo a classe média de ontem, a parcela de riqueza cresce e se concentra cada vez mais nas mãos de poucos, infelizmente, às vezes, também por meio do caminho da corrupção pessoal ou de grupo".

Nos bastidores

"O Papa confortou-nos e incentivou-nos. Disse que a Igreja italiana é uma bela Igreja". A revelar os "bastidores" do encontro de Francisco com a Igreja italiana, foi sempre o cardeal Angelo Bagnasco. Respondeu a pergunta a respeito do conteúdo do encontro realizado "a portas fechadas", depois do discurso de abertura do Papa Francisco, durante a conferência de imprensa final.
Em relação ao encontro do dia seguinte, do cardeal Bagnasco com os bispos, mesmo que "a portas fechadas", o presidente da CEI relatou que leu as manchetes relacionadas ao discurso do Papa Francisco do dia anterior: "Infelizmente, sim, os títulos que lemos não correspondem, de fato, ao que o santo padre disse, tanto em seu discurso, como no diálogo conosco." "O apelo à simplicidade e sobriedade - disse Bagnasco, a parte do discurso mais difundido pela mídia - faz parte da vida do sacerdote e de nós, pastores, mas estava inserido num discurso de respiro extremamente mais amplo e completo".

Comunicado final

Sobre a renovação do clero, a partir da formação permanente - tema principal do trabalho dos bispos - o comunicado final salienta que "a atenção à dimensão espiritual e eclesial centrou-se na formação inicial", sublinhando entre outras coisas, a importância, nos seminários, "de uma criteriosa seleção dos candidatos e de uma qualificação dos educadores”. Os bispos, continua o comunicado, "compartilharam a urgência de um clero que saiba ouvir e acolher as pessoas, deixando-se ferir pela realidade quotidiana, especialmente pelas situações de pobreza e dificuldades, provocadas pela falta de trabalho".
Reforçados os procedimentos de transparência administrativa e na administração dos bens, o comunicado final observou que os bispos estavam compactos "na vontade de continuar na linha da máxima clareza e transparência, o que confirma e reforça as diretrizes rígidas adotadas até agora. Trata-se de um compromisso que se move em harmonia com os critérios apresentados e compartilhados, em março passado, no Conselho Permanente, sobre a doação de ajudas com recursos provenientes dos oito por mil".
Entre as propostas, destacou-se a possibilidade de que a Cúria diocesana ofereça "suporte técnico de alta qualidade", para apoiar o trabalho dos párocos, na gestão dos bens; "compromisso de revitalizar as estruturas de participação, promovendo mecanismos virtuosos para tomadas de decisão, mediante a escuta e o envolvimento, à luz de um programa pastoral compartilhado; a importância de estudar e partilhar as práticas melhores, relativas à administração conjunta dos bens, no interior da unidade pastoral".
A Assembleia pediu que o Conselho Permanente estude “conteúdos e formas, para deixar à disposição das dioceses, num trabalho maduro, em torno ao tema, com os pontos essenciais da formação permanente, nas diferentes etapas da vida sacerdotal". Nesta perspectiva, sentimos a importância de assumir as indicações oferecidas pelo Papa Francisco e continuar nas dioceses o caminho de reforma do clero, que valorize plenamente o Concílio, concentrando-se não nas funções ou estruturas, mas no presbitério e na comunidade. Enfim, as novas regras, para análise da prática judicial no processo matrimonial canônico, estão sendo estudadas, embora, naturalmente, isso leve ainda algum tempo.

Perguntas?

Quais seriam, então, - se de fato existem -, as "três velocidades" da Igreja italiana? A primeira é, sem dúvida, o entendimento dos bispos. A segunda está contida na evidência de que o clero carece de uma análise sociológica e estatística séria. Os últimos dados sobre números, sobre o envelhecimento, e sobre a carga de trabalho dos padres, é ainda do início do milênio. A terceira velocidade é a do clero, normalmente muito pouco consultado; ouvindo falar bispos e padres se percebe logo a dificuldade de diálogo, com uma ulterior falta de comunicação entre padres ordenados há menos de dez anos e sacerdotes com maior maturidade pastoral. Neste contexto complexo, fragmentado, estratificado, vieram as indicações do Papa Francisco, certamente recebidas pelos bispos. Mas e o clero, quem o ouve? E as diferenças (que também existem) entre o clero secular e o regular? E as irmãs, até agora ausentes do debate e de qualquer menção?

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