[unisinos]
Padre Giovanni Cereti |
Há muito tempo estava proibido expressar dúvidas sobre o celibato na doutrina católica. Agora, Francisco, na sua viagem ao México, "no fim do mundo", busca uma solução para um problema central da sua Igreja.
A reportagem é de Julius Müller-Meiningen, publicada na revista Christ & Welt, n. 6, de fevereiro de 2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O padre Giovanni Cereti tem 82 anos e está à frente de uma comunidade eclesial em Roma.
Em breve, ele chegará antes de longos 60 anos como um padre católico.
Há cerca de um ano, ele esteve em audiência no Vaticano com o Papa Francisco, com o clero romano. No fim do encontro, o papa perguntou se ainda havia algum padre que tinha um peso no coração. Então, o padre Giovanni se levantou, ajeitou os cabelos grisalhos, foi ao microfone e disse que queria saber qual era a posição de Francisco em relação aos padres casados.
Ele disse que conhecia muitos padres casados que haviam sido
suspensos do seu serviço e que alimentavam o desejo de poderem ser
novamente ativo como curas d'almas. Que, no mundo, havia cerca de 100
mil padres que, por essa razão, tinham sido afastados da Igreja. Ele
perguntou se Francisco poderia encontrar um caminho para a aproximação, introduzir uma espécie de "cultura das boas-vindas" para os padres casados.
Como o padre Giovanni não tem mais um bom ouvido,
ele não entendeu bem a resposta do papa assim que voltou ao seu lugar.
Mas os colegas também não podiam acreditar nos seus ouvidos. Porque Francisco tinha dito: "O tema está na minha agenda".
Depois, o papa contou que, só na semana anterior, tinha recebido na Casa Santa Marta
12 padres que haviam sido suspensos. Cinco deles estavam casados e
suspensos por esse motivo. Mas eles também estavam presentes na
celebração da missa na capela da casa.
"Eu tenho a sensação de que o problema dos padres casados está perto de uma solução", diz o padre Giovanni hoje. E, efetivamente, há vários sinais de que o Papa Francisco,
depois de um atormentado debate sobre a atitude a ser assumida em
relação aos divorciados recasados, quer abordar a questão do celibato.
Na sua viagem de uma semana ao México em meados de fevereiro, o papa vai passar um dia inteiro no Estado de Chiapas.
A estada é de grande atualidade por diversos motivos. Altos empregados
eclesiásticos tentaram dissuadir o papa de visitar a cidade de San Cristóbal de Las Casas, mas sem sucesso.
De fato, o episódio na diocese e o encontro com os representantes das
comunidades indígenas têm um significado simbólico particular. Também
por isso, Francisco absolutamente quer ir para San Cristóbal,
porque aqui está em primeiro plano uma questão decisiva para o seu
pontificado: a atitude a ser mantida para com a população indígena sobre
a questão do celibato.
A discussão em torno do celibato para os padres católicos nas últimas décadas tornou-se tão disruptiva em San Cristóbal quanto em nenhum outro lugar.
Em Chiapas, onde por muito tempo os rebeldes
zapatistas lutaram contra os soldados do governo mexicano, vive cerca de
um milhão de pessoas de origem indígena. Apenas muito poucas
comunidades católicas no extenso território maia têm um padre próprio.
O bispo local anterior, Samuel Ruíz García, chamado
pelos seus adversários de "bispo vermelho" pelas suas posições
políticas, a partir de 1960, consagrou muitos diáconos permanentes que
faziam parte da população. Como na cultura maia os homens idosos não
casados são considerados inferiores, os diáconos consagrados eram em sua
maioria casados.
No início do novo milênio, na diocese, encontravam-se pouco menos de
400 diáconos permanentes em comparação com 66 padres. Um horror para os
"guardiães da moral e dos bons costumes" no Vaticano. De fato, Roma temia que o emprego maciço de diáconos permanentes casados podia representar um perigoso precedente para o desvio do celibato.
É verdade que, de acordo com o direito canônico, os diáconos
permanentes, sob certas condições, podem ser casados, mas, para eles, é
excluída uma ordenação subsequente como padres. A Congregação para o Culto e a Disciplina dos Sacramentos, em 2000, dispôs a interrupção das ordenações diaconais em Chiapas. Em fevereiro de 2014, Francisco revogou essa proibição.
A sua visita de um dia a San Cristóbal de las Casas também é uma demonstração de solidariedade ao bispo atualmente no cargo, Felipe Arizmendi Esquivel, ao qual o Vaticano
tinha proibido até mesmo o fato de ouvir os desejos daqueles diáconos
casados que, de bom grado, dariam o passo para um presbiterado pleno.
"Não queremos um clero casado", diz hoje Arizmendi. Mas ele também sabe
que a breve visita do papa corresponde a uma virada ideológica e a um
apoio para aqueles bispos que se mostram abertos às necessidades das
suas comunidades.
Entre estes, também está o austríaco Dom Erwin Kräutler, que trabalha há 50 anos na região amazônica brasileira ao longo do Rio Xingu
e, há 35 anos, como bispo. Lá, 800 comunidades pequenas e grandes estão
disseminadas ao longo de um território tão grande quanto a Alemanha.
Por causa da falta de sacerdotes, 70% das comunidades podem participar
apenas três ou quatro vezes ao ano da celebração da eucaristia, que,
porém, de acordo com o magistério católico, é indispensável para a fé.
Muitas vezes, são os leigos que presidem a celebração dominical da Palavra. "Essa é uma experiência positiva", diz Kräutler. No entanto, isso implica que as comunidades da Amazônia
estão praticamente excluídas da eucaristia. De fato, os diáconos, ao
contrário dos padres, não podem presidir a celebração eucarística, nem
administrar o sacramento da confissão.
"Se os documentos papais e o Concílio Vaticano II devem ser levados a sério", diz Kräutler,
"então a Igreja não pode fazer com que a celebração da eucaristia
dependa do fato de que haja um padre célibe à disposição ou não."
Kräutler explicou ao papa a sua opinião a respeito disso em uma audiência privada no Vaticano, em abril de 2014. Francisco
não parecia contrário e respondeu que esperava propostas corajosas das
Conferências Episcopais. "Certamente, o papa não vai tomar decisões
sozinho", diz o bispo. Portanto, Francisco está à espera de propostas dos bispos e poderia aceitá-las com base na situação local. Mas Kräutler
está convencido de que "decisões que dizem respeito à Igreja universal,
como, por exemplo, a obrigação do celibato para a ordenação
presbiteral, não podem ser tomadas por uma ou outra Conferência
Episcopal".
Essa avaliação coincide com outras declarações de Jorge Bergoglio. No Sínodo sobre a família de outubro passado e também, antes, na exortação apostólica Evangelii gaudium, Francisco
elevou o princípio da "sadia descentralização" como máxima papal. Isso
significa que o papa não deve substituir o poder decisional dos bispos
locais para todos os problemas das dioceses.
Enquanto ele ainda era bispo de Buenos Aires, sobre o celibato, Bergoglio
tinha dito: "Se um dia a Igreja tivesse que rever essa regra, então ela
a enfrentaria em um lugar específico para problemas culturais, mas não
válida para todos nem como opção pessoal". Aparentemente, essa linha
ainda vale hoje.
Aplicando esse conceito à situação atual, é como se os testes fossem feitos em Chiapas e na Amazônia. A Comissão para a Amazônia da CNBB
já está estudando soluções possíveis. Novamente, trata-se do emprego
dos chamados viri probati, isto é, homens casados "experimentados",
leigos com um estilo de vida irrepreensível do ponto de vista católico,
que sejam consagrados como diáconos permanentes.
Falou-se pela primeira vez de "viri probati" no Concílio Vaticano II.
Mais tarde, os bispos, no Sínodo dos bispos de 2005, ousaram vir à tona
com o pedido de ir desse modo ao encontro do problema da falta de
padres. Mas, com João Paulo II e Bento XVI, essa proposta não teve chance alguma.
Erwin Kräutler também reage de forma alérgica aos viri probati,
mas por um motivo completamente diferente. "A proposta é decididamente
insuficiente e, além disso, discriminante", diz. Quem decide sobre a
irrepreensibilidade dos homens? "Eu simplesmente não quero ouvir essa
palavra: um clero de primeira classe e outro de segunda", declara
Kräutler. Ele quer mais.
A Comissão para a Amazônia, da qual Kräutler
é secretário, tem uma importância decisiva na busca de novos caminhos
para o presbiterado. O presidente da comissão é o cardeal brasileiro Claudio Hummes, 81 anos, muito próximo do papa. O franciscano é considerado um dos homens influentes no conclave de 2013 que elegeu Bergoglio.
De acordo com o que foi contado pelo argentino, é a Hummes que se pode remontar a escolha do nome Francisco. Como prefeito designado pela Congregação para o Clero
em dezembro de 2006, Hummes tinha posto em discussão o celibato em uma
entrevista a um jornal pouco antes de assumir o cargo. "A Igreja pode
refletir sobre o celibato, pois não é um dogma, mas uma disciplina",
dissera Hummes. Alguns apóstolos eram casados, o dever da castidade foi
estabelecido apenas alguns séculos depois da introdução do presbiterado.
Pouco tempo depois, o prefeito, nomeado por Bento XVI e que renunciou apenas quatro anos depois, teve que voltar atrás. Uma declaração sobre o tema assinada por Hummes
em 2007 pode ser lida como uma retração imposta de cima. Certamente,
desde então, da parte oficial, não há mais nada sobre o celibato. Mesmo
as tímidas propostas levantadas por alguns bispos alemães se perderam na
areia. A porta estava fechada.
Desde que Francisco está no cargo, a porta se abriu
novamente, ou ao menos se entrevê uma fresta. Isso também fica evidente
quando se consultam as autoridades competentes e se recebe a resposta de
que não se dão informações sobre "questões em aberto". O secretário de
Estado, cardeal Pietro Parolin, também afirmou recentemente que o celibato é uma disciplina e não um dogma imutável.
"Quando ele superar a pressão sobre si e sobre os resultados do Sínodo de outubro, ele estará pronto para falar do celibato", afirmou, no verão passado, Norberto Saracco, pastor do movimento pentecostal e amigo argentino de Bergoglio. Ele também tivera um diálogo com Francisco em Santa Marta. Perguntado sobre se ele tinha elementos concretos para essa hipótese, o pastor assegurou: "É mais do que uma sensação".
Os bispos alemães, dentre os quais, evidentemente, também há muitos
adeptos de um relaxamento da disciplina e para os quais a falta de
padres é um grande problema a ser resolvido, ainda se seguram. Esperam
palavras mais claras do papa, para depois ousarem sair à tona seguindo
os seus passos.
Mas Francisco aguarda as corajosas propostas dos bispos e das Conferências Episcopais. A situação, portanto, é complicada, assim como no Sínodo sobre a família de outubro. Naquela época, Francisco
esperava receber dos bispos propostas de mudança sobre temas polêmicos
no âmbito do matrimônio e da família. Agora, ao contrário, é ele quem
tem que dizer uma palavra decisiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário