quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Tribunal Penal Internacional investigará autoridades do Vaticano


[IHU]


14/9/2011  

Os advogados apresentaram hoje uma petição perante o Tribunal Penal Internacional (TPI), em nome das vítimas de abuso sexual clerical pedindo uma investigação de altos líderes da Igreja Católica Romana, incluindo o Papa Bento XVI, afirmando que o abuso sexual por padres difundido em vários países e o tratamento dado a esses casos pelos bispos e autoridades do Vaticano constituem abusos generalizados dos direitos humanos.
A reportagem é de Tom Roberts, publicada no sítio National Catholic Reporter, 13-09-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A comunicação apresentada ao tribunal em Haia, na Holanda, é comparável à apresentação de uma denúncia em um escritório de um promotor público nos Estados Unidos, disse Pamela C. Spees, advogada do Centro para Direitos Constitucionais (CCR, na sigla em inglês), organização com base em Nova Iorque que tem suas raízes na era dos Direitos Civis e que visa a usar a lei para efeito de mudança social.
A ação cita o Papa Bento XVI, tanto em seu posto atual, quanto como cardeal Joseph Ratzinger, quando ele era presidente da Congregação vaticana para a Doutrina da Fé, que tem a responsabilidade de lidar com os casos de abuso sexual; o ex-secretário de Estado do Vaticano, Angelo Sodano, que ocupou o cargo de 1991 a 2006, e o atual, Tarcisio Bertone, que foi nomeado sucessor de Sodano, e o cardeal norte-americano William Levada, ex-arcebispo de San Francisco, que foi nomeado por Bento XVI para sucedê-lo na Congregação para a Doutrina.
Em uma entrevista do dia 9 de setembro, Spees disse que o centro defende que padrões semelhantes surgiram repetidamente em vários países, como resultado do que ela chamou de "uma cultura de violência sexual dentro da Igreja". Enquanto a maioria das investigações dos abusos sexuais clericais ocorreram em locais discretos e foram confinados em dioceses individuais, afirmou ela, "quando você diminuiu o zoom e vê as mesmas políticas e práticas" ocorrendo em nível internacional e "quando você olha para o que está documentado e para a brutalidade disso", a justificativa para uma investigação internacional fica clara.
Uma investigação também é justificável, argumentam os advogados, nos termos do Estatuto de Roma, o tratado de 1998 que cria o Tribunal como resultado da crescente preocupação internacional acerca dos crimes de guerra, incluindo estupro e outras formas de violência sexual. O centro afirma que a incidência generalizada de violência sexual por parte do clero católico e a tentativa da hierarquia de mantê-lo secreto satisfaz a definição do estatuto de ataques contra a população civil.
A denúncia de hoje foi feita em cooperação com a SNAP, a Rede de Sobreviventes de Abusos Praticados por Padres, que defende os direitos das vítimas de abuso sexual. A SNAP trabalhou com o CCR ao longo dos últimos 18 meses, traduzindo seu vasto estoque de informações sobre os casos de abuso sexual envolvendo padres em provas para fundamentar um caso internacional, de acordo com Barbara Blaine, advogada de Chicago e fundadora da SNAP. Blaine foi abusada por um padre quando estava na sétima série.
Em uma denúncia inicial junto ao tribunal em maio passado – uma comunicação que estabelece que a organização pretendia apresentar uma ação muito mais detalhada no futuro –, o CCR fez a sua argumentação para a utilização do TPI. O estupro, diz a carta, "constitui um crime dentro da jurisdição do tribunal". O centro afirma que "o estupro e outras formas de violência sexual [...] são ofensas e atos de violência graves e também deveriam ser investigados e processados como formas de tortura".
"Crimes contra dezenas de milhares de vítimas, a maioria delas crianças, estão sendo encobertos por autoridades no mais alto nível do Vaticano. Nesse caso, todos os caminhos realmente levam a Roma", disse Spees em um comunicado publicado no site do CCR nesta manhã. "Esses homens agem com impunidade e sem responsabilização. As autoridades do Vaticano denunciadas nesse caso são responsáveis por estupro e outras violências sexuais e pela tortura física e psicológica das vítimas em todo o mundo, tanto através da responsabilidade de comando, quanto pelo encobrimento direto dos crimes. Elas devem ser levadas a julgamento como qualquer outra autoridade culpada por crimes contra a humanidade".
O Estatuto de Roma, diz o comunicado, reconhece "a evolução da lei do estupro" e "o fato de que o estupro e outras formas de violência sexual são frequentemente cometidos em circunstâncias coercitivas que negam a possibilidade de consentimento genuíno. Isso é especialmente importante nos casos que envolvem vítimas crianças e adultos vulneráveis, especialmente quando, como aqui, o perpetrador é uma figura de autoridade a que a vítima se sente compelida a se submeter".
Em sua primeira denúncia perante o tribunal, o centro afirmou que o Vaticano, como uma entidade altamente centralizada com toda a autoridade que flui do papa, "tem tido uma antiga política e prática de lidar com a violência sexual por padres e por outros associados à Igreja de modos que garantiram que essa violência continuasse".
As autoridades do Vaticano, afirma-se, mantêm a autoridade final sobre os bispos e os padres, e, assim, sob as provisões dos estatutos, se encaixam na definição de superiores não militares que podem ser responsabilizados "pelos crimes cometidos por seus subordinados".
Esses superiores são culpados, de acordo com o estatuto e segundo a acusação:
  • se o superior "sabia ou ignorou conscientemente informações que indicavam claramente que os subordinados estavam cometendo ou estavam prestes a cometer tais crimes";
  • se os crimes foram cometidos "sob a responsabilidade e o controle efetivos do superior";
  • se o superior "não tomou todas as medidas necessárias e razoáveis ao alcance do seu poder para prevenir ou reprimir a sua prática ou para submeter a matéria às autoridades competentes para investigação e instauração de processo".
Blaine, que viveu e trabalhou de 1984 a 1993 na St. Elizabeth Catholic Worker House no South Side de Chicago, antes de realizar um mestrado em teologia na União Teológica Católica e uma graduação em direito pela De Paul University, disse em uma entrevista em Haia que, "como vítimas, nos sentimos como se já tivéssemos tentado de tudo para conseguir deter os abusos. Começamos há dois anos pensando em como chegar ao Tribunal Penal Internacional".
O tribunal não irá considerar os casos antes de 2002, mas Spees disse que eles usaram materiais de casos que remontam há décadas para mostrar o padrão que existiu durante anos em vários países e para mostrar que o Vaticano negligenciou a resposta à crise. A apresentação responde, em parte, disse Blaine, ao fato de que, enquanto os padres eram removidos do ministério, os bispos não enfrentaram nenhuma sanção ou penalidade pelos seus papéis em esconder padres abusadores e transferindo-os entre paróquias, dioceses e até mesmo para outros países, sem revelar seus crimes.
De acordo com outros novos relatórios, as pessoas familiarizadas com o funcionamento do tribunal dizem que ele nunca aceitou esse tipo de denúncia e que normalmente age sobre as denúncias apresentadas por um país.
O Tribunal Penal Internacional foi estabelecido como resultado de um tratado, chamado de Estatuto de Roma, em 2002, como uma organização internacional independente para lidar com graves crimes internacionais. A ideia para um tribunal independente e permanente cresceu a partir dos tribunais temporários que visavam a ouvir os casos de Ruanda e da ex-Iugoslávia. O tratado original estabelecendo as bases para o tribunal foi assinado em Roma em 1998 por 120 países. Um total de 60 países ratificaram o acordo. Nem os Estados Unidos, nem o Vaticano fazem parte do tratado.

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