segunda-feira, 5 de setembro de 2011

[A Palavra do Sacerdote] "Já ouvi falar que o milagre de Fátima é de ordem espírita"


04 Sep 2011
A Palavra do Sacerdote
Monsenhor JOSÉ LUIZ VILLAC

Pergunta 1 — Já ouvi falar que o milagre de Fátima é de ordem espírita, sendo a Virgem uma aparição e, os três pastorinhos, médiuns que conseguiram ver, ouvir e falar com a Virgem. Como me defender quando questionada por adeptos da doutrina espírita?
Resposta — Segundo a doutrina espírita, as almas das pessoas falecidas podem comunicar-se com os vivos, quando invocadas por estes, em geral através de pessoas especialmente aptas a captar as mensagens desses espíritos. Tais pessoas serviriam, pois, deintermediários entre as almas dos mortos e os vivos: daí o nome demédiuns.
Segundo os adeptos da doutrina espírita que assediam a nossa consulente, os pequenos videntes de Nossa Senhora em Fátima teriam sido médiuns que retransmitiam para os circunstantes quanto ouviam da Virgem Santíssima, a qual, ademais, lhes aparecia visivelmente.
Não é de hoje que sectários do espiritismo apresentam tal versão das aparições marianas de Fátima (1917). Mas, nessa lógica, tal versão se aplicaria também às aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, na Rue du Bac, em Paris (1830); em La Salette (1846); a Santa Bernadette, em Lourdes (1858); e a todas as demais, de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Santos, ocorridas ao longo de dois mil anos de história da Igreja.
Com isso, todo o capítulo das aparições e visões sobrenaturais é questionado com a interpretação insofismável da Santa Igreja Católica. Com quem está a razão?
Destino das almas após a morte
No Purgatório a pessoa é purificada de todas as manchas e de todo afeto ao pecado, mesmo venial, que ficaram na sua alma e que a impedem de ver a Deus face a face no Céu.

Com a morte, o corpo se desintegra e a alma — que é espiritual e, portanto, imortal — se destaca do corpo, sendo julgada por Deus nesse preciso momento. É o juízo particular. Se ela está absolutamente isenta de pecado, mesmo venial e sem nenhuma culpa a pagar — o que é raríssimo — vai imediatamente para o Céu.
Se a pessoa morreu em estado de graça, isto é, arrependida de todos os pecados mortais que cometeu e foi deles absolvida por confissão válida ou por um ato de contrição perfeita, mas ainda tem culpas a pagar, vai para o Purgatório. Ali ela é purificada de todas as manchas e de todo afeto ao pecado, mesmo venial, que ficaram na sua alma e que a impedem de ver a Deus face a face no Céu. Essa purificação é um processo doloroso para a alma, porque nada é mais difícil do que se corrigir dos modos errados de ver e julgar as coisas, e das tendências para o mal que, devido ao pecado original e aos pecados atuais, permanecem em nós até o momento da morte.
Por isso a doutrina católica tradicional compara esse processo de retificação da alma a um fogo purificador. Mas um fogo de natureza especial que queima as almas, como o fogo da Terra queima os corpos. Quando nesta Terra rezamos e fazemos sacrifícios pelas almas do Purgatório, nós aceleramos esse processo de purificação, arcando com parte do sofrimento delas. E, sobretudo, quando oferecemos por elas o Santo Sacrifício da Missa, pedindo a Deus que lhes aplique os méritos infinitos do sacrifício redentor de Cristo.
Purificada assim por esse processo — que pode ser mais ou menos extenso e doloroso — a alma está em condições de ser levada para o Céu, onde ela se reunirá a todos aqueles que a precederam in signum fidei (com o sinal da fé), como diz a Liturgia da Santa Igreja. E no Céu ficará aguardando a ressurreição geral dos corpos, no fim do mundo, quando cada alma se reunirá ao respectivo corpo, restaurado na plenitude do seu vigor e sublimado no esplendor de um corpo celestial.
Dos que cometeram a loucura de voltar suas costas a Deus pelo pecado mortal e morreram nesse estado, não falemos deles, mas apliquemos o conselho do poeta Dante: “non ragioniam’ di lor’, ma guarda e passa” (não falemos deles, apenas olhe e passe adiante). O seu destino é o fogo eterno do inferno, que queima as almas e os corpos, sem nunca extingui-los.
As almas antes da ressurreição dos corpos
Diferentemente dos anjos, que são puros espíritos, as almas humanas precisam do corpo para se manifestarem e exercerem as suas funções normais. Assim, estejam no Purgatório ou já no Céu, elas não têm por si próprias os meios de se comunicarem com os homens que estão neste mundo. A doutrina espírita se dispensa de explicar como isso é possível, e imagina que forças mediúnicas atraiam as almas para esta Terra a fim de se comunicarem com os homens. Isto só seria possível com a permissão divina, e com a intermediação de anjos que serviriam como que de alto-falantes para essas almas, destituídas como estão de boca e cordas vocais. Daí o fundado receio da Santa Igreja de que os demônios, que são anjos decaídos, sirvam de intermediários para as almas que estão sob seu poder no inferno, para sob pretextos alegadamente bons virem a esta Terra atormentar os vivos com comunicações ou práticas funestas. Por isso a Igreja proíbe terminantemente que os fiéis católicos participem — sob pena de excomunhão — de sessões espíritas, ainda que se apresentem como meros expectadores e declarem expressamente que não querem tomar nenhum contacto com os espíritos malignos.
Visões e comunicações celestiais
Não há, portanto, razão alguma para supor que as visões e comunicações celestiais, como as de Fátima, Rue du Bac (Medalha Milagrosa), La Salette, Lourdes, e tantas outras reconhecidas pela Igreja como dignas de crédito, como as do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria (século XVII), se enquadrem no marco da doutrina espírita.
Depois da Revelação oficial do Novo Testamento – que terminou com a morte do último Apóstolo –, tudo quanto era estritamente necessário aos homens cumprir para alcançar a salvação eterna lhes vem sendo transmitido fielmente pela Tradição católica e é custodiado pelo Magistério infalível da Igreja. Porém Deus tem julgado conveniente fazer comunicações especiais para orientar os homens em certas circunstâncias históricas. São as chamadas revelações particulares feitas a almas escolhidas. O modo dessas comunicações apresenta uma vasta gama de modos e aspectos, às vezes dando origem a grandes santuários muito conhecidos e procurados pelos fiéis, como, por exemplo, o de Lourdes na França. Querer associar essas comunicações ao esquema mediúnico da doutrina espírita é uma arbitrariedade sem qualquer fundamento nos fatos.
A consulente pode ficar tranqüila e desdenhar o assédio dos sequazes dessa doutrina, que não passa de mera elucubração sem nenhum valor religioso ou intelectual.
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Pergunta 2 — Gostaria de saber como é que a pessoa pode reconhecer quando a Virgem lhe faz uma comunicação. Passa-se algo através da medalha de Nossa Senhora que ela usa? Ou a Virgem lhe aparece? Tenho muita curiosidade... Se me pudessem ajudar, lhes agradeceria.
Nossa Senhora fala com São Bernardo de Claraval. Grande devoto d’Ela, ele proclamou suas glórias em seus escritos.

Resposta — Além das revelações particulares citadas na resposta anterior há também as locuções interiores que o Espírito Santo pronuncia no recôndito das almas. Caso se trate de uma alma boa e reta, que Nossa Senhora quer atrair para uma maior santificação pessoal, Ela pede ao Espírito Santo como Esposa, que fale no interior dessas almas. Não há nenhum inconveniente teológico em dizer que é Nossa Senhora quem fala no interior de nossas almas.
Como reconhecer que a procedência dessa locução interior é da Virgem Mãe de Deus? É muito simples: se essa locução nos leva a um sentimento mais humilde de nós mesmos e à prática generosa da virtude ou de qualquer forma de bem, podemos estar certos de que é Nossa Senhora que está falando. Não é preciso que Nossa Senhora nos apareça e fale visivelmente conosco. Ela pode falar no interior de nossas almas, como foi explicado.
Mas se essa voz nos leva a qualquer forma de vanglória, cuidado: pode ser o demônio querendo nos sugerir a idéia de possuirmos um grau de santidade que não atingimos!
Com esses cuidados devidamente tomados, estejamos atentos à voz de Nossa Senhora e tenhamos a docilidade de pô-la em prática, segundo a palavra da Escritura: “Se hoje ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração” (Ps 94,8).
Ora, a melhor resposta que podemos dar a Nossa Senhora é sermos muito devotos d’Ela, pensarmos n’Ela frequentemente, falarmos interiormente com Ela muitas vezes. É o conselho de ouro que São Luis Grignion de Montfort apresenta no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n° 166, e que transmito aqui à prezada consulente.

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