quinta-feira, 15 de novembro de 2018

De Martini a Bergoglio. Rumo a um Concílio Vaticano III

[unisinos]

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O Sínodo de outubro passado teve que ser sobre os jovens. Mas, concluindo-o, o Papa Francisco disse que "seu primeiro fruto" foi a "sinodalidade".
O comentário é de Sandro Magister, publicado por Settimo Cielo, 12-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
De fato, os parágrafos mais surpreendentes do documento final – e, também, mais contestados, com dezenas de votos contrários - foram precisamente aqueles sobre a "forma sinodal da Igreja".
Surpreendentes, por que de sinodalidade praticamente nunca havia se falado, nem na fase preparatória do sínodo, nem nas plenárias, nem nos grupos de trabalho. Exceto para vê-la aparecer no documento final, em cuja redação o L'Osservatore Romano revelou que o papa também participou.
"Uma evidente manipulação", assim foi definida pelo arcebispo de Sydney, Anthony Fisher, dando voz ao protesto de vários padres sinodais por essa forma contraditória de impor uma ideia de governo colegial com um ato de autoridade vindo de cima.
Mas depois veio La Civiltà Catolica, a voz oficial da Casa Santa Marta, para confirmar que deve ser assim, intitulando seu editorial de comentário ao Sínodo: "Os jovens despertaram a sinodalidade da Igreja".
E assim, o pensamento volta inexoravelmente àquele sínodo de 1999, no qual o cardeal Carlo Maria Martini, jesuíta como Jorge Mario Bergoglio, esboçou o "sonho" de uma Igreja em permanente estado sinodal, listou uma série de "nós disciplinares e doutrinários" que deveriam ser abordados colegialmente e concluiu que para tais questões "nem mesmo um sínodo poderia ser suficiente", mas era necessário "um instrumento colegial mais universal e autorizado", essencialmente um novo concílio ecumênico, pronto a "repetir aquela experiência de comunhão, de colegialidade" que foi o Vaticano II.
Entre as questões elencadas por Martini estavam precisamente aquelas que estão hoje no centro do pontificado de Francisco:
  • "a posição da mulher na Igreja",
  • "a participação dos leigos em algumas responsabilidades ministeriais",
  • "a sexualidade",
  • "a disciplina do matrimônio",
  • "a práxis penitencial",
  • "as relações ecumênicas com as Igrejas irmãs",
  • "a relação entre leis civis e leis morais".
E como Martini, também Francisco bate e insiste sobre o "estilo" com o qual a Igreja deveria abordar essas questões. Um "estilo sinodal" permanente, ou seja, "um modo de ser e trabalhar juntos, jovens e idosos, na escuta e no discernimento, para alcançar escolhas pastorais que respondam à realidade".
Isso diz respeito à vida cotidiana da Igreja em todos os níveis.
Mas então a sinodalidade também é invocada como forma de governança hierárquica da Igreja universal, da qual são expressão os sínodos propriamente ditos - não à toa chamados "dos bispos" - e os concílios ecumênicos.
Hoje a ideia de um novo concílio ecumênico é cultivada por poucos. Agita-se mais, incentivada por Francisco, a discussão sobre como fazer evoluir não só os sínodos, tanto locais como universais, de consultivos a deliberativos, mas também as conferências episcopais, descentralizando e multiplicando os poderes e dotando-as, também, de "alguma autêntica autoridade doutrinal" (Evangelii gaudium, 32).
Mas não se deve excluir que a hipótese de um novo concílio logo veja o crescimento dos partidários. Então, por que não se preparar e reestudar o que os concílios foram na história da Igreja e o que eles podem continuar a ser no futuro?
O Cardeal Walter Brandmüller, respeitado historiador da Igreja e presidente do Pontifício Comitê de Ciências Históricas de 1998-2009, realizou justamente sobre este assunto, em 12 de outubro passado, em Roma, uma conferência, reproduzida na íntegra em outra página de Settimo Cielo.
Aqui seguem dois trechos.
O primeiro aborda a superioridade do concílio sobre o papa afirmado pelo decreto de Constança Haec sancta de 1415, e reivindicado hoje por muitos teólogos.
O segundo diz respeito à eventualidade de um futuro novo concílio e sua implementação, com quase o dobro de bispos do que o Vaticano II.
Boa leitura!

Constança, ou seja, a superioridade do Concílio sobre o Papa

Desde o início o decreto de Constança "Haec sancta" de 1415 foi objeto de intenso debate entre aqueles que defendiam a superioridade do concílio sobre o papa, e os seus adversários.
Recentemente, aconteceu o jubileu do Concílio de Constança, em 1964, que reacendeu a discussão.
O problema considerado particularmente urgente era como conciliar o decreto de Constança "Haec sancta" - que não só Hans Küng, Paul de Vooght e outros, na época seguidores de Karl August Fink, celebraram como "magna carta" do conciliarismo, ou seja, a anteposição do concílio ao papa - com o dogma de 1870 sobre a primazia jurisdicional e a infalibilidade doutrinal do papa.
Nesse caso, um concílio, um dogma, não contradizia talvez outro em uma importante questão de fé?
Na época, portanto, não poucas eruditas canetas teológicas, entre as quais aquela de um eminente dogmático de Freiburg, se articularam realizando, com notável dispêndio de perspicácia, tentativas de harmonização, de uma audácia às vezes quase acrobática.
E, no entanto ... teria sido suficiente um pouco da história de reconhecer a inexistência do problema: O 'concílio', que em abril 1415 tinha formulado o decreto 'Haec sancta' - o obstáculo – não era em absoluto um concílio universal; foi mais uma assembleia de simpatizantes de João XXIII. A reunião de Constança tornou-se concílio universal apenas quando a ela se juntaram os partidários dos outros dois "papas cismáticos", em julho de 1415 e no outono 1417.
O que havia sido decidido em 1415, em Constança, não tinha autoridade canônica nem de magistério. Na verdade, quando o recém-eleito Papa Martinho V aprovou os decretos decididos nos anos 1415-1417, conscientemente excluiu "Haec sancta".
*****

Como convocar um futuro concílio, com um número exterminado de bispos

Nas últimas décadas ouviu-se repetidamente falar de um concílio "Vaticano III". De acordo com alguns deveria corrigir os desenvolvimentos equivocados iniciados pelo Vaticano II, enquanto para outros deveria completar as reformas então solicitadas.
Deve - e, portanto, pode - acontecer mais uma vez um concílio universal e ecumênico no futuro?
A resposta a esta pergunta depende essencialmente de como se deve imaginar um semelhante concílio "gigante", porque é isso que seria.
Se hoje fosse convocado um concílio, os bispos que teriam lugar e voz seriam 5237 - de acordo com a situação em 2016. Durante o Vaticano II os bispos participantes foram cerca de 3044. Basta um olhar para esses números para ver que um concílio de moldes clássicos deveria fracassar só por causa disso. Mas, mesmo que se possa resolver as imensas dificuldades logísticas e econômicas, ainda existem algumas simples considerações lógicas de tipo sociológico e sócio-psíquico que fazem parecer inviável uma empreitada tão gigantesca. Um número tão elevado de participantes no Concílio, que em sua maioria nem se conhecem entre si, seria uma massa facilmente manipulável nas mãos de um grupo forte, ciente do próprio poder. As consequências são muito fáceis de imaginar.
A questão é, portanto, como, de que formas e estruturas, os sucessores dos apóstolos podem exercer de maneira colegial o seu ministério de mestres e pastores da Igreja universal nas citadas circunstâncias, de um modo que atenda aos requisitos tanto teológicos como prático-pastorais.
Na busca de possíveis exemplos históricos, o olhar recai primeiro sobre o concílio de Viena de 1311-1312, no qual participaram 20 cardeais e 122 bispos. A peculiaridade está em como se chegou a tais números: duas listas de convidados são conservadas, uma das quais é papal e a outra é régia. Aqueles que não haviam sido convidados podiam participar, mas não precisavam fazê-lo. Dessa forma, o concílio conseguiu permanecer de dimensões contidas, mesmo que os critérios para a escolha dos convidados - comparando as duas listas - não tivessem sido desprovida de dificuldades. Para prevenir tais problemas, a escolha das pessoas a serem convidadas deve estar sujeita a critérios objetivos e institucionais.
Hoje e amanhã, no entanto, um processo sinodal gradual poderia tornar as objeções infundadas. Poderia ser tomado como exemplo Martinho V, que na fase preparatória do Concílio de Pavia-Siena tinha dado a indicação - embora seguida por poucos - para preparar o concílio geral com sínodos provinciais. De forma análoga, também o Vaticano I havia sido precedido por uma série de sínodos provinciais - cf. a "Collectio Lacensis" -, que de uma forma ou de outra prepararam os decretos de 1870. Assim, nas várias partes do mundo, ou seja, nas diferentes áreas geográficas, poderiam ser realizados concílios particulares para discutir, na fase de preparação do Concílio universal, os temas previstos para o mesmo. Os resultados de tais concílios particulares poderiam ser apresentados, discutidos e tratados de maneira definitiva, eventualmente já na forma de rascunhos de decretos, durante o concílio.
Os participantes do concílio seriam escolhidos pelos concílios particulares que o precedem e enviados ao concílio universal com a função de representar suas Igrejas particulares. Assim, poderia ser justamente definido como "universalem Ecclesiam repraesentans" e agir como tal.
Esse modelo permitiria não só preparar um concílio ecumênico com bastante antecedência, mas também realizá-lo com uma duração e um número limitado de participantes. Então por que não olhar para trás, para o primeiro concílio universal, ou seja, aquele de Nicéia, em 325, que entrou para a história como o concílio dos 318 padres (318 como os "criados" de Abraão no Gênesis 14, 14)? O "Credo" formulado por eles é o mesmo "Credo" proclamado hoje por milhões de católicos em todo o mundo aos domingos e nas festas. E assim, esse primeiro concílio geral de apenas 318 bispos é, ainda hoje, um ponto de cristalização em que a verdade e o erro se dividem.
(A exigência de que sínodos e concílios universais sejam antecedidos por momentos sinodais nas várias Igrejas locais também é ressaltada no amplo documento sobre "A sinodalidade na vida e na missão da Igreja", publicado em 2 de março de 2018 pela Comissão Teológica Internacional).

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