segunda-feira, 19 de junho de 2017

Arcebispo no Marrocos: os imigrantes não têm nada

[aleteia]
Por Miriam Diez Bosch


O arcebispo Santiago Agrelo fala francamente sobre a dura realidade dos que tentam escapar do risco de morte




Ele é um dos bispos mais familiarizados com a imigração. Ele mora no norte da África. Apenas 14 quilômetros separam sua diocese, no continente africano, da Europa, esta um lugar de esperança. Nesta entrevista, o arcebispo Santiago Agrelo, OFM, fala sem reter nada.
“O Cristo de nossas celebrações eucarísticas não faz barulho… A verdade é que ele se torna tão pequeno que não prestamos muita atenção n’Ele”, diz. 

As pessoas temem os imigrantes, e assim fecham seus portos e fronteiras. Estamos nos tornando desumanizados?

Os imigrantes não têm nada a temer. Qualquer um pode provar isso ao conhecer um imigrante.
Já nós, o que tememos é o que é diferente, desconhecido e, acima de tudo, o que foi deformado e demonizado em nossas mentes pela política e pela mídia.
Se não fosse identificar os imigrantes pelas características raciais de seus rostos, pela cor de sua pele, ou, quando são pobres – que é um tipo diferente de migrante – pela pobreza de suas roupas, ninguém diria que tem medo de imigrantes. Mas nos concentramos no que os torna diferentes, e esse elemento, aos nossos olhos, os desumaniza e os priva da sua intrasferível dignidade humana. Nós os reduzimos à categoria desumanizada de serem ilegais, indocumentados ou invasores.
E, quando os desumanizamos, nos desumanizamos também.

Em algumas cidades, as igrejas ficam abertas 24 horas por dia para os pobres, para os refugiados… e muitas pessoas reclamam da falta de higiene, do barulho, da segurança… O que diria a elas?

Conheci os habitantes das florestas ao redor das cidades autônomas de Ceuta e Melilha. Conheço a miséria, as doenças, as mutilações e as infecções sofridas por aqueles que aguardam a oportunidade de entrar no território espanhol. Conheço sua fome e sede, sua lamentável higiene, seus pés descalços nos caminhos da floresta, seus trapos de roupa, seus sapatos velhos, sua exposição aos riscos…
Se alguém souber sobre tudo isso, entende que um campo de refugiados, mesmo que seja um pântano, mesmo que não haja nada debaixo das tendas, mas um pequeno abrigo, uma refeição e água para beber e banhar-se é como chegar a um hotel.
Então, imagine o que uma igreja deve ser para eles: um palácio!
Eu entendo: o Cristo de nossas celebrações eucarísticas não faz barulho, não suja as coisas, não tem cheiro… A verdade é que Ele se torna tão pequeno que não prestamos muita atenção n’Ele. E, assim, quando Ele se apresenta como barulhento, sujo e mal cheiroso, não estamos acostumados a vê-Lo dessa forma, e não o reconhecemos. E se não O reconhecemos, é natural que protestemos.
Mas alguém deve explicar aos discípulos de Jesus que, enquanto o Cristo Ressuscitado não tem cheiro, não sangra, não come, não bebe e não precisa de água para banhar-se, Cristo Crucificado – o mesmo Senhor – tem cheiro, sangra, come, bebe e precisa de água para higiene pessoal. E devemos enfatizar que, para viver, o ressuscitado fica bem sem nós; mas o crucificado, para viver, precisa de nós mais do que nunca.

Quarenta e quatro migrantes são encontrados mortos no deserto – alguns deles são crianças. E você diz, “E há cristãos que pensam que este não é o Senhor!”. É verdade. Há cristãos que não veem Jesus nessas mortes…

Se nós, que nos chamamos cristãos, tivéssemos uma compreensão simples da vida e da fé, se tivéssemos uma visão clara para ver Cristo nas pessoas necessitadas, se nos sentíssemos obrigados a cuidar de Cristo nos pobres como fazemos para venerar Cristo na Eucaristia, então os pobres sofreriam muito menos e a Eucaristia seria muito mais honrada, venerada e adorada.

O senhor é um homem de esperança, e isso é demonstrado pelo que senhor faz e prega. Como pode conservar sua alegria diante de tal desolação?

Não sei como será no céu, quando tudo for aperfeiçoado. Aqui, a felicidade é condicionada ao que é imperfeito, o que é escasso, o que é inesperado…
Secar uma lágrima, curar uma ferida, aliviar o sofrimento, suavizar a fome ou a sede, vestir os nus, secar uma gota de suor, dar um abraço, fazer medos e tristezas recuarem ou perderem terreno… Estas são alegrias que nascem de quase nada, e elas permanecem em sua alma sob a forma de luz, paz e esperança.

Há ataques cada vez mais indiscriminados pelo Estado Islâmico. Qual é a sua perspectiva diante do fenômeno do terrorismo?

Dentro dessa questão, existem vários conceitos que podem parecer bem definidos, mas que realmente não são: “ataque”, “indiscriminado”, “terrorismo”… Não existe uma definição aceita de “terrorismo” porque não existe uma definição possível que também não se aplica aos chamados países civilizados – os Estados Unidos da América em primeiro lugar.
Se, por terrorismo, queremos dizer “perpetrar o terror contra a população civil”, é óbvio que o terror sofrido pelos cidadãos dos países europeus é insignificante em comparação com o terror sofrido há muitos anos por países inteiros, como a Síria ou Sudão do Sul, e por um número escandaloso de países africanos.
O terrorismo legal é uma fábrica natural de terroristas ilegais.
E, embora as nações e os indivíduos, para resolver suas diferenças e problemas, continuem a recorrer à violência, este útero continuará a dar à luz pessoas violentas.
É uma questão cultural, e a Igreja é chamada a desempenhar um papel na criação de uma cultura não-violenta. A Igreja deve se tornar a portadora de uma mensagem clara: a violência, nunca.

Finalmente, como franciscano, como bispo e como ser humano, o senhor acha que somos melhores como uma sociedade do que há 100 anos?

Não sei se estamos melhor. Mas eu sei que estamos mais conscientes dos males que afligem a humanidade. Eu acredito que lemos o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo com maior simplicidade, e que Sua mensagem ressoa mais clara e puramente em nosso interior.
Eu acredito que o mundo irá respirar melhor se nós, que somos crentes, levarmos o Evangelho a sério. Creio que a alegria será multiplicada na medida em que os que aceitam o novo mandamento do amor também se multiplicam. O dever de criar uma sociedade melhor está em nossas mãos. É uma questão de amor.

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