quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Aborto no Brasil: não é uma questão religiosa, mas política e jurídica

[aleteia]



Interesses sectários, financeiros e ideológicos por trás da legalização do aborto: uma grave ameaça para o futuro de todos nós




Não é de hoje que a infamante tentativa de legalização do aborto espreita de maneira detestável a ordem pública.  E se a sua horrenda prática é repugnante quando defendida por uma militância que não sabe como anda e respira ao mesmo tempo, o que dizer quando a tentativa de legitimá-la parte de autoridades que, por dever de ofício, deveriam garantir a estabilidade e segurança social, com três agravantes: o fazem ao arrepio da lei, de forma sorrateira e num dia em que a nação inteira foi abatida pela notícia de um trágico acidente aéreo?

Afinal, o que esperar de um país que promove a morte de inocentes?

A resposta não é tão simples e, por mais louvável que seja observar e concluir que a sociedade, hoje, em muitos aspectos, se assemelha a determinados contextos da história do povo de Israel, é urgente compreender como a legalização do aborto ameaça, gravemente, o futuro de todos nós e, por isso, é tão necessário combatê-la.

O discurso definitivamente não é religioso, mas, antes de tudo, político e jurídico.

Não é recente a realização de seminários que tratam de estratégias para a descriminalização do aborto no Brasil, importando destacar que as organizações não governamentais, que defendem a sua legitimação, são financiadas por indústrias interessadas em que cada vez mais mulheres adiram à prática. 
Por essa razão, é comum que tais ONGs não empenhem esforços na defesa e promoção de políticas públicas que beneficiem, efetivamente, o sexo feminino, sua dignidade e singularidade sob o ponto de vista humano e social, limitando-se a colocar as mulheres sempre em dicotomia com o sexo masculino, como se, por imposição social, restassem a elas apenas duas opções: se rebelarem contra o “sistema”, negando a sua natureza feminina, que é geradora de vida em todos os sentidos, ou submeterem-se às mais diversas sortes de violência. 
A verdade nua e crua é que os argumentos pró-aborto geralmente são pautados em pesquisas falaciosas, desenvolvidas sem qualquer critério científico, repletas, comprovadamente, de erros técnicos (e éticos), por entidades partidárias de um determinado segmento comercial; esses argumentos ignoram o perfil procriador do sexo feminino, mutilando, assim, a sua integridade, já que faz parte do negócio incentivar a mulher a repudiar aquele ser que ela concebeu, na plenitude de si, espoliando por via indireta os direitos de um e de outro, que devem ser acolhidos e protegidos pela sociedade.

O problema da decisão no Supremo Tribunal Federal

O contexto processual que levou à liberação dos médicos abortistas – assim chamados porque de fato praticaram o aborto e não foi pela primeira vez –, além de “sugerir” a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação, aconteceu nos autos de um habeas corpus em que se discutia a legalidade técnica da manutenção da prisão preventiva dos acusados, ou seja, o tipo penal ao qual respondiam os impetrantes não fazia parte do libelo. 
É fato que a “sugestão”, embora não vincule em outras decisões, inclusive em instâncias inferiores, foi levada a termo e abriu, de forma intencional, um precedente argumentativo que fere o entendimento da norma positiva, promovendo uma prevaricação jurídica de grande monta, pois, claramente, carece de embasamento jurídico, processual, ético e científico, pondo em risco toda a sociedade. Não abordamos aqui, especificamente, a questão da ausência de legitimidade dos julgadores quanto à questão da ilegalidade do ato de tomar para si a competência de legislar, em afronta ao princípio da independência dos poderes, posto que se trata de uma aberração à parte.
O fato é que o aborto é um crime contra a vida, conforme o normativo constitucional (art. 5º), o Pacto de São José, do qual o Brasil é signatário e que declara a inviolabilidade da vida desde a concepção, e os Códigos Penal (art. 128) e Civil (art.2), não sendo lícito ao judiciário mudar este quadro nem mesmo sob o argumento da livre interpretação da lei.
Caso a opinião pública não se insurja contra tamanha afronta jurídica e humana, estaremos diante do horror da prática da eugenia institucionalizada. Assim, não é exagero afirmar que, uma vez legalizada a eugenia no Brasil, estaremos a poucos passos da legalização também da eutanásia.
O que tudo isto significa na prática? O que podemos esperar da desvalorização e descarte da pessoa humana?
Estaremos todos, desde a concepção até a morte, a mercê de interesses que definitivamente não nos protegem.
A contraposição à fé e o seu escárnio são, sem dúvida, instrumentos utilizados para se alcançar a meta ideológica de tais grupos, que, cada vez mais, investem em desestabilizar e destruir a família, alicerce da sociedade civil. Para eles, porém, não se trata de combater a fé pela fé, e sim de combater os valores absolutos e, portanto, sacros que nela estão inseridos.
E como a Igreja defende a vida, a dignidade da pessoa humana e a família, tornou-se um obstáculo para os organismos pró-aborto e de ideologia de gênero, o que explica a razão dos discursos que defendem, por exemplo, a retirada dos símbolos da fé cristã, em especial, dos órgãos públicos, sob a frágil alegação de que o Estado é laico e de que mantê-los expostos é prova de proselitismo religioso. No mesmo sentido vão a oposição ao ensino religioso confessional nas escolas e as tentativas de tornar igualitária a união de pares e o casamento.
A ação de tais grupos gira em torno da imposição de uma ditadura sectarista, com o objetivo de acabar com tudo o que remete à cultura judaico-cristã. Para isso, alguns militantes já ameaçam, expressamente, pegar em armas para alcançar seus objetivos sindicais.
Tais grupos usurpam a liberdade democrática e se articulam para que toda a base educacional, cultural e jurídica da sociedade seja desconstruída e, sobre ela, se crie uma nova realidade, na qual a submissão ao sistema, amparada em políticas populistas, silencie a população.
Reafirma-se, diante disso, que o discurso não é religioso: o que temos diante de nós é uma articulação de domínio político, que busca a sua legitimidade de forma ardilosa, numa afronta ao Estado Democrático de Direito e contra os valores sociais concebidos através da dinâmica histórica e cultural que permeia a nação brasileira.

Michelle Figueiredo Neves
Ministra do Acolhimento
Arquidiocese do Rio de Janeiro

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