quinta-feira, 24 de novembro de 2016

O PRIMADO DO SUPREMO PONTÍFICE

[afeexplicada]



O Primado Petrino é a doutrina da Igreja Católica a qual ensina que São Pedro é o Apóstolo mais excelso de Cristo e que essa superioridade é passada também aos seus sucessores, os Papas de Roma. Essa supremacia não é apenas de honra, mas jurídica e magisterial.
Como adversários dessa doutrina, temos os cismáticos autointitulados ortodoxos e os protestantes. Esses negam qualquer primazia a São Pedro (para alguns que a reconhecem, negam que tal honra pudesse ser passada aos sucessores, o que é o mesmo que negar a apostolicidade da Igreja); aqueles professam apenas o primado de honra, legando ao Papa o título de primeiro entre os iguais (primus inter pares).
Para mostrar que essa doutrina é revelada por Deus, passaremos a analisar as Escrituras, a Tradição e, por fim, o Magistério eclesiástico.

1 Testemunho da Escritura

O primado de honra, como dissemos, não é negado a não ser pelos protestantes. Entretanto, unanimemente a Escritura atesta tal distinção de São Pedro em relação aos demais Apóstolos. Na listagem dos Apóstolos do Senhor, ao mesmo tempo que Judas Iscariotes é o último, pois é indigno, São Pedro é o primeiro:
Eis os nomes dos doze Apóstolos: o primeiro, Simão, chamado Pedro; depois André, seu irmão. Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão. Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, que foi o traidor (Mt 10,2ss).
Escolheu estes doze: Simão, a quem pôs o nome de Pedro; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, aos quais pôs o nome de Boanerges, que quer dizer Filhos do Trovão. Ele escolheu também André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o Zelador; e Judas Iscariotes, que o entregou (Mc 3,16ss).
Ao amanhecer, chamou os Seus discípulos e escolheu doze dentre eles que chamou de Apóstolos: Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro; André, seu irmão; Tiago, João, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado Zelador; Judas, irmão de Tiago; e Judas Iscariotes, aquele que foi o traidor (Lc 6,13ss).
Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e Judas, irmão de Tiago (At 1,13).
Também ao narrar outras passagens, a Escritura atesta o principado petrino, como no relato da Ressurreição:
Entrando no sepulcro, viram, sentado do lado direito, um jovem, vestido de roupas brancas, que disse: (…) Ele ressuscitou, já não está aqui. Eis o lugar onde o depositaram. Mas ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele vos precede na Galileia. Lá o vereis como vos disse (Mc 16,6).
Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão (Jo 20,3ss).
Não restam dúvidas de que São Pedro é o primeiro entre os Apóstolos. Foi o único a ter o nome mudado por Nosso Senhor:
Levou-o a Jesus, e Jesus, fixando nele o olhar, disse: Tu és Simão, filho de Jonas; serás chamado Cefas (que quer dizer pedra) (Jo 1,42).

1.1 O Primado magisterial

São Pedro e os Papas, seus sucessores, devido ao especial encargo recebido por Cristo, possuem a mesma infalibilidade da qual goza a Igreja. Ensina a Escritura:
E Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja (Mt 16,18).
Eu roguei por ti, Pedro, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos (Lc 22,32).
Ao fim de uma grande discussão, Pedro levantou-se e lhes disse: Irmãos, vós sabeis que já há muito tempo Deus me escolheu dentre vós, para que da minha boca os pagãos ouvissem a palavra do Evangelho e cressem (At 15,7).
Tamanha clareza nos textos dispensa comentários.

1.2 O Primado jurídico

Se São Pedro (o Papa) é superior aos demais Apóstolos (demais Bispos) no tocante ao ensino doutrinal, a ponto de poder ser infalível quando ensina, com mais razão tem também direito principal no tocante aos atos administrativos da Igreja.
Portanto, São Pedro e os Papas, seus sucessores, devido ao especial encargo recebido por Cristo, tem o poder próprio, ordinário, supremo, pleno, imediato e universal em toda a Igreja, que pode sempre exercer livremente. É, pois, o princípio e fundamento perpétuo e visível da unidade de Fé e comunhão. A esse respeito, a Escritura:
Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo. Disse-lhe Jesus: Alimenta os Meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João, amas-Me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo. Disse-lhe Jesus: Alimenta os Meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de João, amas-Me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: Amas-Me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, Tu sabes que Te amo. Disse-lhe Jesus: Alimenta as Minhas ovelhas (Jo 21,15ss).
O próprio São Paulo atesta em uma de suas Epítolas:
Três anos depois subi a Jerusalém para conhecer Cefas, e fiquei com ele quinze dias (Gl 1,17).
Nos seus comentários à Bíblia, frei Haydock destaca o seguinte:
Alimentar, no sentido usado nas Escrituras, é orientar, reger e governar. Santo Ambrósio e alguns outros Padres fazem notar que a palavra cordeirospode ser entendida por povo; e palavra ovelhas, aqueles que são colocados sobre o povo, a saber, os Bispos, presbíteros e diáconos. Outros, entretanto, não fazem diferenciação entre cordeiros e ovelhas, e compreendem que por essas expressões todos os membros da Igreja de Cristo, qualquer que seja sua condição, mesmo os outros dos Apóstolos (Destaques nossos).
De um modo ou de outro, a interpretação é a mesma: São Pedro recebeu de Nosso Senhor total jurisdição sobre todos os membros da Igreja, ou seja, toda a Igreja universal. Sobre esta mesma passagem, ensina Calmet, abade de Senones (séc. XVIII):
Os cordeiros e ovelhas do Nosso Salvador, aqui, significam os fiéis, que compõem a Sua Igreja, sem qualquer distinção entre judeu ou gentio. São Pedro, por estas palavras, é nomeado para assumir o cargo perante todo o rebanho, como sendo o chefe e príncipe dos Apóstolos. Ele é, de certa forma, o pastor, não das ovelhas apenas, mas dos próprios pastores. Eles têm cada um o seu próprio rebanho para cuidar; mas para São Pedro é confiado o cuidado de todos; só ele é o pastor de todos (Apud Haydock, destaques nossos).
E o famoso exegeta Dom Challoner:
Nosso Senhor tinha prometido a supremacia espiritual para Sto. Pedro (Mt 16,18ss). E aqui Ele cumpre essa promessa, confirmando-o com a superintendência de todas as suas ovelhas, sem exceção; e, consequentemente, de todo o seu rebanho, ou seja, de toda a sua Igreja. (Idem, destaques nossos).

2 Testemunho dos Padres

Ao contrário do que se dissemina entre os católicos, a quantidade de fontes patrísticas que confirmam o Primado Petrino é abundante. Pedimos ao leitor certa paciência em ler todas as fontes, por mais maçante que possa se tornar.
Já no primeiro século da Igreja, Santo Inácio de Antioquia atesta que “Roma preside a Igreja na Caridade” (Carta aos Romanos, Prólogo).
Santo Ambrósio de Milão (séc. IV) dizia “Onde está Pedro, aí está a Igreja” (Explan. Psalmorum, 40, 30; PL 14, 1134).
Esses são comentários diretos – um grego e outro latino – que não deixam margem para dúvida quanto ao Primado. Ainda assim, haveremos de mostrar que tal doutrina é largamente aceita pelos Padres, quer ocidentais, quer orientais. Comecemos por esses.

2.1 Os Padres gregos

Santo Irineu de Lião (séc. II):
É necessário que à Igreja romana, por causa de sua mais forte principalidade, se unisse toda a Igreja, isto é, todos os fiéis que há e donde quer que sejam (Adversus hæreses III 3, n. 2).
Santo Afraates da Síria (séc. III):
Ele, Pedro, era o príncipe dos Apóstolos, recebeu as chaves, e foi designado como pastor do rebanho (Destaques nossos).
São Tiago de Nisbis (séc. III):
E Simão, o chefe dos Apóstolos, que negou a Cristo, dizendo que não tinha visto, e amaldiçoou e jurou que não O conhecia, desde o momento que Deus deu a contrição e penitência, e lavou os seus pecados nas lágrimas de dor, Nosso Senhor recebeu e fez dele o fundamento e a rocha chamada do edifício da Igreja (Orat. Vii. De Paenit. no. 6,p.lvii, destaques nossos).
Santo Atanásio de Alexandria (séc. III):
Quando saí de Alexandria, eu não fui à sede de seus irmãos, nem a qualquer outra pessoa, mas apenas a Roma, e tendo colocado o meu caso para a Igreja, foi a única coisa com que eu me importei (Defence before Constantius, 4).
No Concílio de Sardica, em que sua deposição foi julgada, o Doutor da Encarnação argumenta novamente:
O Bispo Gaudêncio disse: Se parece bom a ti, é necessário adicionar a essa decisão cheia de sincera caridade que pronunciaste, que, se algum Bispo for deposto pela sentença destes Bispos vizinhos, e afirmar que tens matéria recente de defesa, um novo bispo não seja colocado em sua Sé, a menos que o Bispo de Roma e juiz proferir uma decisão quanto a este(Destaques nossos).
São Cirilo de Alexandria (séc. IV):
De acordo com a promessa de Cristo, a Igreja apostólica de Pedro permanece pura de toda a sedução e cobriu todos os ataques heréticos, por cima de todos os governadores, Bispos e sobre todos os primados das igrejas, em seus Pontífices, em sua completíssima Fé e na autoridade de Pedro. E quando algumas igrejas foram manchadas pelo erro de algum dos seus membros, só ela [a Igreja apostólica de Pedro] reina firme e de modo inabalável; impõe silêncio e cala os hereges. E nós, a menos que sejamos enganados por uma falsa presunção de nossa salvação, ou embriagados pelo vinho da soberba, confessamos e pregamos a verdade juntamente com a Igreja de Pedro, a Santa Tradição apostólica em sua verdadeira forma (Thesaurus de sancta et consubstantiali Trinitate, destaques nossos).
Ele mudou seu nome para Pedro, a palavra pedra (rocha), porque sobre ele mais tarde fundou a sua Igreja (Comm. In Joan., destaques nossos).
São Basílio Magno (séc. IV):
Ora, os fundamentos desta Igreja estão sobre as montanhas sagradas, uma vez que está edificada sobre o fundamento dos Apóstolos e Profetas. Uma destas montanhas era certamente Pedro, sobre cuja pedra o Senhor prometeu edificar a Sua Igreja (Comentario sobre o Profeta Isaías, 2:66, destaques nossos).
São Gregório de Nazianzo (séc. IV):
Observe que dos Discípulos de Cristo, todos dos quais foram exaltados e digno de escolha, um é chamado de rocha, e é responsável pela fundação da Igreja (Oration 32, 18, destaques nossos).
São Gregório de Nissa (séc. IV):
Pedro, que é a cabeça dos Apóstolos (…) ele é o mais forte e a rocha sobre a qual o Salvador edificou a sua Igreja” (Panegírico sobre Santo Estevão, destaques nossos).
São João Crisóstomo (séc IV), Arcebispo de Constantinopla, um dos mais respeitados Padres do oriente:
O próprio Pedro, a cabeça ou coroa dos Apóstolos, o primeiro na Igreja, o amigo de Cristo, que recebeu a Revelação não do homem, mas do Pai (…) este Pedro, e quando digo Pedro, eu quero dizer a rocha inquebrantável, o fundamento inabalável, o grande Apóstolo, o primeiro dos discípulos, o primeiro chamado, o primeiro a obedecer (T.ii.Hom.iii. De Paenit. n.4, destaques nossos).
Pedro, o líder do coro, a boca dos outros Discípulos, o chefe da irmandade, o qual é colocado sobre todo o universo, a fundação da Igreja, o alicerce, o pilar, o amante veemente de Cristo (Hom. 3 in Matt. 5, destaques nossos).
Ele (Jesus) não disse a Pedro: ‘Se você me ama, faça milagres’, mas ‘apascenta as minhas ovelhas’ e em todo o mundo dando-lhe honra mais do que o resto, com Tiago e João, então me diga: Ele não o preferiu? (Hom. 46 in Matt. 3, destaques nossos).
Quando pergunta o Senhor sobre a opinião do povo, respondem todos os Apóstolos, e quando Ele pergunta aos Apóstolos, apenas Pedro responde, boca e cabeça de todos eles. Então segue-se: Simão Pedro respondeu: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
O Senhor dá uma nova honra a Pedro quando acrescenta: E Eu te darei as chaves do Reino dos Céus, que vale tanto como dizer: Assim como o Pai te concedeu conhecer-Me, assim também Eu te concedo algo, isto é, as chaves do reino dos Céus. Quer dizer: sobre esta Fé e sobre esta confissão edificarei a Minha Igreja. Palavras que dão a entender que muitos acreditarão na mesma confissão de Pedro houvera confessado. O Senhor abençoa as palavras de Pedro e o faz pastor. Vede também como Cristo conduz Pedro para os mais altos ideias sobre Sua pessoa. Porque Ele promete dar o que só a Deus compete, isto é, perdoar os pecados e tornar imutável a Igreja no meio a tantas tempestades, perseguições e tentações (Hom. 54 in Matt. 1-2, destaques nossos).

O principal bem que nos resulta deste amor é o de procurar a salvação do próximo. Deixando de lado, então, os demais Apóstolos o Senhor dirige a Pedro estas promessas, porque Pedro foi o primeiro dos Apóstolos, e a voz dos discípulos e a cabeça do Colégio. Por isso, depois de apagada sua negação, Ele o investiu como o Bispo de seus irmãos. Sua negação não lhe foi dita diretamente, mas desta forma: Se Me amas, preside teus irmãos, e dá testemunho agora e em todo lugar deste amor que demonstraste, sacrificando pelas Minhas ovelhas a vida que juraste dar por Mim. E continua: Volta a perguntar: Simão, filho de João, amas-me? Pergunta três vezes, e três vezes lhe confia o mesmo encargo, dando a entender que aprecia o governo de Suas próprias ovelhas e que confiar-lhas é a maior prova de Seu amor (Hom. 87 in Ioannem, destaques nossos).
Santo Epifânio de Salâmina (séc. V):
E o Bem-aventurado Pedro, que negou o Senhor por um tempo, o qual foi o chefe dos apóstolos, que se tornou para nós em verdade uma rocha firme em que se baseia a fé do Senhor, na qual está construída a Igreja em todos os aspectos (Adv. Haeres, destaques nossos).
São Nilo do Sinai (séc. V):
Pedro, que foi tudo no Colégio Apostólico e sempre governou entre eles(Tract. Ad Magnam. c.8, destaques nossos).
Entre os Padres orientais citados, não só se afirma a supremacia do Bispo de Roma, o Papa, como se dá a inequívoca interpretação de quem é a pedra sobre a qual Cristo instituiu Sua Igreja. Os protestantes insistem em dizer que tal pedra é o próprio Senhor, sem mais; discorda deles o sentimento da Igreja nos primeiros séculos, como atestado pelos Padres.

2.2 Os Padres latinos

Começamos por citar os Padres gregos para já contestar o argumento cismático de que penas os Padres latinos atestam o Primado papal.
São Cipriano de Cartago (séc. III):
Pedro lhe respondeu: «Senhor, para quem iremos? Tu tens a palavra da vida eterna; e cremos, e estamos seguros, de que és o Filho do Deus vivo». Aqui fala Pedro, sobre quem a Igreja havia de ser edificada, ensinando e mostrando no nome da Igreja (Epístolas 68:8, destaques nossos).
Pois a Igreja é una, e como ela é uma, não pode estar tanto dentro como fora. Porque, se ela está com Novaciano, o herege, ela não pode estar com Cornélio [o Papa] (Epístola 75,3, destaques nossos).
São Cipriano, ao saber que o Papa São Cornélio investigava sobre uma consagração que fizera, justifica-se:
Eu não te escrevi imediatamente querido irmão, porque não era algo tão importante e tão grave que você tivesse que ser notificado em seguida …Eu esperava que você soubesse de tudo isso e tinha certeza de que você lembrava. É por isso que eu julguei que não era necessário comunicar-lhe com tal velocidade e urgência as loucuras dos hereges … E eu escrevi sobre tudo aquilo, porque todos nós desprezamos, por o outro lado, e pouco lhe enviei os nomes dos bispos que estão a frente dos irmãos e não foram contaminados pela heresia. Foi a opinião unânime de todos desta região que enviasse-lhe estes nomes (Epístola 59:9, destaques nossos).
Também presta contas quando foge, perseguido pelo imperador:
Senti a necessidade de escrever esta carta para dar conta da minha conduta, minha linha de disciplina e de meu ciúme (…) Mas, ainda que ausente no corpo, tenho estado presente em espírito (Epístola 20, destaques nossos).
Ora, se São Cipriano presta contas de sua atitude, é evidente que reconhecia a autoridade papal.
O já citado Santo Ambrósio:
Na Sé de Roma, da qual emanam todos os direitos da veneranda comunhão, somos unidos como os membros à cabeça, se juntassem na articulação de um só corpo (Carta 11, 4, destaques nossos).
Considerando que todo o mundo é de Deus, mas a Igreja Ele diz ser Sua casa, a qual [o Papa] Dâmaso nos dias de hoje governa (Comment. In Epist, destaques nossos).
Santo Hilário de Poitiers (séc. IV):
E o abençoado Simão, que depois de sua confissão sustenta o edifício da Igreja e recebeu as chaves do Reino dos Céus (A Trindade VI,20, destaques nossos).
São Jerônimo (séc. IV):
Se, então, o Apóstolo Pedro, sobre quem o Senhor fundou a Igreja, disse expressamente que a profecia e a promessa do Senhor foram naquele momento e ali cumpridas, como podemos reivindicar outro cumprimento para nós próprios? (Epístola a Marcela XLI, 2, destaques nossos).
Santo Agostinho (séc. IV):
Pedro, que havia confessado a Ele como o Filho de Deus, e que nessa confissão foi chamado de rocha sobre a qual a Igreja viria a ser construída (Hom. In Ioann. Tract 11:5, destaques nossos).
Papa São Leão Magno (séc. V):
O poder é dado a Pedro de modo singular, porque a sua dignidade é superior à de todos os que governam a Igreja (Sermão IV, destaques nossos).
Permanece, pois, o que a verdade ordena; e o Bem-aventurado Pedro, perseverando na fortaleza de pedra que recebera, não abandonou o timão da Igreja que uma vez empunhara (Sermão do terceiro ano de eleição ao Supremo Sólio Pontifício, destaques nossos).
Mas, para que o próprio episcopado fosse uno e indiviso e, pela coesão e união íntima dos sacerdotes, toda a multidão dos crentes se conservasse na unidade da fé e da comunhão, antepondo S. Pedro aos demais Apóstolos, pôs nele o princípio perpétuo e o fundamento visível desta dupla unidade, sobre cuja solidez se construísse o templo eterno e se levantasse, sobre a firmeza desta fé, a sublimidade da Igreja, que deve elevar-se até ao céu (Sermão do quarto ano de eleição ao Supremo Sólio Pontifício, destaques nossos).
O Papa São Gregório Magno (séc. VI):
Agora já há oito anos, no tempo de meu predecessor de santa memória, Pelágio, nosso irmão e companheiro, o Bispo João, na cidade de Constantinopla, (…) convocou um sínodo no qual tentou se proclamar Bispo Universal. Assim que meu predecessor soube, enviou cartas anulando pela autoridade do Santo Apóstolo Pedro os atos do referido sínodo; cartas as quais eu cuidei e mandei cópias para Sua Santidade (Epístola XLIII, destaques nossos).
A minha honra é a honra da Igreja universal. Minha honra é o sólido vigor dos meus irmãos. Então sinto-me verdadeiramente honrado, quando não se nega a honra que é devida a cada um (Carta a Eulógio de Alexandria, destaques nossos).
São Beda o Venerável (séc. VII):
Pedro olhou, não só com os olhos exteriores, mas com o olhar interior da divindade, vendo a simplicidade de seu coração e a elevação de sua alma, em razão de cujas particularidades merecia o primeiro lugar em toda Sua Igreja (Hom. In vig. S. Andreæ, destaques nossos).
Pedro recebeu as chaves dos céus como um sinal para todos os filhos da Igreja, de modo que os que se separam da fé que ele ensina, renunciam a toda esperança de ser absolvido de sua culpa e de entrar nos portais eternos (…) E eu digo que Pedro é o porteiro a quem não contradisséreis, se não obedecerem a seus decretos em tudo, pode ser que quando você chegue aos portões do céu eles não se abram (Destaques nossos).

2.3 Outros testemunhos

Também os escritores eclesiásticos atestam a mesma doutrina do Primado.
Declaração insuspeita do herege Tertuliano (séc. III):
“Se, por causa de o Senhor ter dito a Pedro, «Sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja», «a ti eu te dei as chaves do reino celestial», ou «qualquer coisa que ligares ou desligares na terra, será ligada ou desligada nos céus», tu portanto supores que o poder de ligar e desligar derivou para ti, ou seja, para toda a Igreja semelhante a Pedro, que tipo de homem és, subvertendo e mudando totalmente a intenção manifesta do Senhor, conferindo (como foi a sua intenção) isto pessoalmente a Pedro? «Sobre ti», diz, «eu edificarei a minha Igreja»; e «Eu te darei as chaves a ti», não à Igreja; e «o que desligares ou ligares», não o que «eles desligarem ou ligarem». No próprio (Pedro) a Igreja foi criada; isto é, através do próprio Pedro (Destaques nossos).
Orígines (séc. III):
É Pedro, sobre o qual está construída a Igreja, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão (Comentário sobre João 5:3, destaques nossos).
Eusébio de Cesareia (séc. III):
E Pedro, sobre o qual a Igreja de Cristo é construída, contra a qual as portas do inferno não prevalecerão, a providência graciosa enviou a Roma, o grande e poderoso Pedro, escolhido por seus méritos como um guia para os outros Apóstolos. Como um nobre general de Deus, ele anunciava o Evangelho da luz e a Palavra que salva as almas (História Eclesiástica, Livro II.14, destaques nossos).
Teófilo de Alexandria (séc. IV).
Cristo falou: E tu, uma vez convertido, confirma teus irmãos. Como dizendo: depois de ter Me negado, chorarás e te arrependerás; pois então agora confirma teus irmãos, uma vez que te constituí chefe dos Apóstolos; isto é o que cabe a ti, que coMigo serás a fortaleza e a pedra da Minha Igreja. Isso deve ser entendido não só a respeito aos discípulos que estavam ali presentes, para que fossem fortalecidos por Pedro, mas também para todos os fiéis que, até o fim do mundo, hão de existir; e para que ninguém desconfie vendo Pedro que, apesar de ser Apóstolo, negou-O, mas pela penitência conseguiu recuperar a sua antiga prerrogativa de ser o chefe da Religião em todo o mundo. Admirai a grandeza da paciência divina, para que o discípulo Pedro não desconfie; antes de que cometa a culpa já lhe concede o perdão, e lhe restabelece na dignidade de chefe dos Apóstolos, dizendo: Confirma os teus irmãos (Catena Aurea, In Lc 22,32, destaques nossos).
Basílio de Selêucia (séc. V):
Pedro é novamente chamado o corifeu dos Apóstolos (Orat. XXV, destaques nossos) [2].
Teodoreto de Ciro (séc. V):
A trombeta do Espírito Santo, apressou-se ao grande Pedro para que pudesse trazer-lhe a solução desejada às dificuldades em Antioquia que estavam hesitantes sobre a vida sob a lei, e muito mais nós homens insignificantes,apressemo-nos à Sé Apostólica, a fim de receber uma cura para as feridas das Igrejas. Por todas estas razões, é mantida em primeiro lugar, na medida em que se pode vê-la adornada com tantos privilégios(Destaques nossos).
Teofilacto de Constatinopla (séc. IX):
Depois da ceia, confia a Pedro o governo do rebanho universal, não aos outros. Por isso disse: Apascenta Meus cordeiros (Catena Aurea, In Jo 21,15, destaques nossos).
Rabano, escritor da Glosa Ordinária (séc. IX):
Embora pareça que apenas a Pedro foi dado esse poder de ligar e desligar, no entanto, também é dado aos outros Apóstolos e agora aos Bispos de toda a Igreja. E se Pedro recebeu, de modo especial, as chaves do Reino do Céu e o principado da potestade judiciária, foi para que todos os fiéis do mundo compreendessem que todos os que se separam, sob qualquer motivo, da unidade da Fé deixam de estar unidos a Ele, não podem ser desatados das cadeias dos pecados, nem entrar pelas portas do Reino dos Céus  (CatenaAurea, In Mt 16,18, destaques nossos).
E a Glosa:
De maneira especial, concedeu a Pedro o poder de representar a unidade [da Igreja], e fez-lhe a cabeça dos Apóstolos, para que a Igreja tivesse um único vigário principal, ao qual todos os membros da Igreja devem recorrer em caso de dissidência. Se na Igreja houvesse muitas cabeças, não teria unidade. Alguns acrescentam que as palavras “sobre a terra” o Senhor as deu para indicar que o poder de atar e desatar se referia aos vivos e não aos mortos e aquele que atar ou desatar os mortos, não exercia esse poder sobre a terra (Destaques nossos).

2.3.1 Ensino perene dos Papas

O Papa São Sotero aos Bispos da Itália (séc. II):
Consequentemente, no exercício da autoridade desta Santa Sé ordenamos que essas coisas sejam radicalmente supressas dentro de um prazo mínimo e, a fim de que não se repitam, mandamos que quanto antes sejam banidas das vossas províncias (Citado pelo pseudo-Isidoro, Coletânea de leis do século IV).
Silvestre I (séc. IV):
Nem pelo imperador, nem por todo o clero, nem pelo rei, nem pelo povo será julgado o juiz, pois a Sé primeira, a romana, não será julgada por ninguém (Decretum, p. II, cs. 9, q. 3, c. 13, Denz-H. 638, destaques nossos).
São Júlio I (séc. IV) aos Bispos de Antioquia:
Se de todo, como dizeis, houve uma certa falta em relação a eles, o juízo devia acontecer segundo o cânon eclesiástico e não desse modo. Devia haver-se escrito a todos nós, para que fosse assim estabelecido por todos o que é justo. Os afetados, na verdade, eram Bispos, e as Igrejas afetadas não eram quaisquer, mas aquelas que os próprios Apóstolos dirigiram pessoalmente. Por que motivo, principalmente no tocante à Igreja de Alexandria, não foi escrito a nós? Por acaso ignorais que o costume era este: que se escreva primeiro a nós e daí venha a ser estabelecido o que é justo? Se, portanto, se suspeitava alguma coisa do gênero a respeito do Bispo de lá, devia haver-se escrito à Igreja daqui (Carta aos antioquenos, 341, Denz-H. 132, destaques nossos).
Também o Papa Libério (séc. IV), ainda que incorrendo em erro, excomunga Santo Atanásio (sua carta, contudo, revela que tipo de autoridade goza a Sé de Roma):
Mediante os supracitados presbíteros mandei-lhe também uma carta, comunicando que, se não viesse, soubesse que estava excluído da comunhão com a Igreja de Roma (Carta Studens paci, aos Bispos orientais, 357, Denz-H. 138, destaques nossos).
Papa São Sirício (séc. IV):
Não negamos a resposta correspondente à tua consulta, já que, em consideração ao nosso ministério, não podemos dissimular nem temos a liberdade de calar, pois que nos incumbe, mais do que a todos, o zelo pela religião cristã. Levamos o peso de todos os que estão sobrecarregados; ou, mais ainda, leva-o conosco o Bem-aventurado Apóstolo Pedro, que em tudo, conforme acreditamos, nos protege e defende enquanto herdeiros do seu ministério (…) E, se bem que a nenhum sacerdote do Senhor seja permitido ignorar as decisões da Sé Apostólica… (Carta Directa ad decessorem, ao Bispo Himério de Tarragona, 385, Denz-H. 181-2, destaques nossos).
Santo Inocêncio I (séc. V):
Na procura das coisas de Deus, seguindo os exemplos da antiga tradição, confirmastes de modo veraz o vigor de nossa religião, não menos agora, ao consultardes, que antes, quando exprimíeis as vossas decisões, vós que reconhecestes que se deve recorrer ao nosso julgamento, sabendo o que é devido à Sé Apostólica, já que todos os que fomos postos nesta Sé desejamos seguir o Apóstolo mesmo do qual emergiu o próprio episcopado e toda a autoridade da sua função (Carta In requirendis, aos Bispos do Sínodo de Cartago, 417, Denz-H. 217, destaques nossos).
Com diligência, pois, e em devido ato, consultais os arcanos do honorífico múnus apostólico ─ múnus, digo, daquele a quem incumbe, além das coisas exteriores, a solicitude por todas as Igrejas [IICor 11,28] ─ acerca da posição a tomar nas coisas duvidosas, tendo seguido nisto o modelo da antiga regra que sabeis ter sido comigo observada sempre por todo o orbe (…) Particularmente, cada vez que é discutida a doutrina da Fé, julgo que todos os nossos irmãos e coepíscopos devem referir-se somente a Pedro, isto é, ao detentor do seu nome e do seu múnus honorífico, assim como agora vossa caridade perguntou que coisa possa ser proveitoso ao conjunto de todas as Igrejas no mundo inteiro (Carta Inter ceteras Ecclesiae Romanae, a Silvano e aos outros padres do Sínodo de Mileve, 417, Denz-H. 218, destaques nossos).
Papa São Bonifácio I (séc. V):
Dirigimos direto ao Sínodo [de Corinto] um escrito com o intuito de fazer compreender a todos os irmãos que não se pode deliberar de novo sobre um julgamento nosso. De fato, nunca é lícito deliberar outra vez a respeito do que uma vez foi estabelecido pela Sé Apostólica (Carta Retro maioribus, ao Bispo Rufo da Tessália, 422, Denz-H. 232, destaques nossos).
A instituição da nascente Igreja universal tomou início no múnus honorífico do Bem-aventurado Pedro, no qual está seu governo e ápice. Da sua fonte fluiu, à medida que crescia a veneração da religião, a disciplina eclesiástica em todas as Igrejas. As disposições do Concílio de Nicéia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não ousou definir nada sobre ele, vendo que era impossível propor algo acima de seu mérito, pois sabia, afinal, que tudo lhe era concedido pela palavra do Senhor. É certo que esta Igreja Romana é, para as Igrejas espalhadas pelo orbe inteiro, como a cabeça de seus membros: quem dela se desliga seja banido da religião cristã, já que deixou de estar inserido nela (Carta Instituto aos Bispos da Tessália, 442, Denz-H. 233, destaques nossos).
Pertence ao Bem-aventurado Apóstolo Pedro, com base na afirmação do Senhor, o cuidado, por ele assumido, da Igreja universal, que, segundo o testemunho do Evangelho, sobre si sabia fundada. E jamais este seu múnus honorífico pode ser livre de cuidados, pois é certo que as últimas decisões dependem da sua deliberação. (…) esteja longe dos sacerdotes do Senhor que algum deles caia na culpa de, em nova tentativa ilícita, tornar-se inimigo das deliberações dos antepassados, sabendo ter como rival de modo particular aquele junto ao qual o nosso Cristo estabeleceu o ápice do sacerdócio; se alguém ousar ultrajá-lo, não poderá habitar no reino dos céus. “A ti”, diz Ele, “darei as chaves do reino dos céus” [Mt 16,19], e neste ninguém entrará sem o favor do porteiro. (…) Já que o lugar o exige, se parecer bem, passai em resumo as disposições dos cânones; encontrareis qual é a segunda Sé depois da Igreja Romana, ou qual é a terceira. (…) Ninguém jamais levantou com arrogância a mão contra o vértice apostólico, cujo julgamento não é lícito submeter a nova discussão; ninguém se revoltou contra ele, exceto quem qui- sesse por ele ser julgado. (…) Mas como o assunto o requer, devemos demonstrar com documentos que particularmente as Igrejas Orientais, para as grandes questões, nas quais fosse necessário maior investigação, sempre têm consultado a Sé Romana e que, toda vez que necessário, têm pedido o seu auxílio (Carta Manet beatum, a Rufo e aos outros bispos da Macedônia, 442, Denz-H. 234-35, destaques nossos).
O Papa Santo Hormisdas (séc. VI):
Embora para a universal Igreja Católica esparsa pelo orbe o tálamo de Cristo seja único, a Santa Igreja romana foi anteposta às outras Igrejas não por quaisquer decisões conciliares, mas obteve seu primado da palavra evangélica do Senhor e Salvador: Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (…) Por isso, a primeira sé do Apóstolo Pedro é a Igreja Romana, que não tem mancha nem ruga nem qualquer coisa do gênero(Decretum Gelasianum, 520, Denz-H. 350, destaques nossos).
Ao mesmo Papa, o Arcebispo de Constantinopla Epifânio pede uma profissão de Fé a ser apresentada ao seu próprio clero que voltava do cisma de seu antecessor Acácio (séc. V) que usava palavras ambíguas, evitando qualquer menção às duas naturezas de Cristo, com o objetivo de ter parte com os hereges monofisitas:
Porém, acolhemos e aprovamos todas as cartas do Bem-aventurado Papa Leão, escritas por ele a respeito da religião cristã. Portanto, como dissemos acima, seguimos em tudo a Sé Apostólica e proclamamos tudo quanto foi por ela estabelecido e, por isto, espero merecer estar na única comunhão convosco, aquela que a Sé Apostólica proclama e na qual está a íntegra, veraz e perfeita solidez da Religião cristã: prometemos também no futuro não ler durante os mistérios os nomes daqueles que foram afastados da comunhão com a Igreja Católica, isto é, aqueles que não estão de acordo com a Sé Apostólica. E se tentarmos em alguma coisa desviar desta profissão, professamos que segundo nosso próprio juízo tornamo-nos cúmplices de quanto tenhamos condenado.
Esta minha profissão, pois, eu a subscrevi de minha própria mão e a dirigi a ti, Hormisdas, santo e venerável Papa da cidade de Roma (Libellus fidei do Papa Hormisdas, mandado a Constantinopla, 515, Denz-H. 365, destaques nossos).
Papa Pelágio II (séc. VI):
Mas também o Bem-aventurado Cipriano diz entre outras coisas: “O início parte da unidade, e o primado foi dado a Pedro, para que a Igreja e cátedra de Cristo se mostre una”; e pastores são todos, mas o rebanho aparece como um só, devendo ser levado ao pasto pelos Apóstolos com unânime acordo. E pouco depois: “Quem não respeita esta unidade da Igreja acredita que respeita a Fé? Quem abandona a cátedra de Pedro, sobre o qual foi fundada a Igreja [cf. Mt 16,18], e se lhe opõe, pode confiar de estar na Igreja?” (Carta Dilectionis vestræ, aos Bispos cismáticos de Ístria, 586, Denz-H. 468-9, destaques nossos).
Papa São Nicolau I ao imperador Miguel por ocasião do cisma de Fócio (séc. IX):
Onde lestes que os imperadores, vossos predecessores, tivessem tomado parte em reuniões sinodais, exceto talvez aquelas nas quais se tratava da Fé, que é universal, que é comum a todos, que interessa não só ao clero, mas também aos leigos e diretamente a todos os cristãos? (…) Quanto mais uma queixa se dirige contra uma autoridade de importante posição social, tanto mais se deve dirigir a uma instância ainda mais alta, até que, passo a passo, se chegue àquela Sé cuja causa jurídica ou é mudada para melhor por ela mesma, quando o mérito da questão o requer, ou reservada ao arbítrio só de Deus, sem apelação. Além disso, se não Nos escutardes, resulta que necessariamente vós sois para Nós tais que o Senhor Jesus Cristo ordenou sejam avaliados como recusando-se a escutar a Igreja de Deus, tanto mais que os privilégios da Igreja romana, confirmados pela boca de Cristo no Bem-aventurado Pedro, dispostos na mesma Igreja, observados desde tempos remotos, louvados pelos santos Sínodos universais e venerados continuamente por toda a Igreja, não podem de modo algum ser diminuídos, de modo algum prejudicados, de modo algum mudados, já que tentativas humanas não são capazes de remover o fundamento posto por Deus, e o que Deus estabeleceu subsiste de modo firme e sólido. (…) Aqueles privilégios, pois, que a esta santa Igreja foram doados por Cristo, não doados pelos Sínodos, mas por eles somente louvados e venerados (…) Nos constrangem e Nos impelem “a ter a solicitude de todas as Igrejas” de Deus (cf. IICor 11,28) … fica efetivamente claro que não deve ser rediscutido por ninguém o julgamento da Sé Apostólica, pois não há autoridade superior à sua; e que a ninguém é lícito julgar a respeito do seu veredicto. De fato, os cânones estabeleceram que a ela se apelasse de qualquer parte do mundo, mas apelar dela não é permitido a ninguém (Carta Proposueramus quidem, 865, Denz-H. 638-40, destaques nossos).
Por fim, o Papa Inocêncio III, já no século XII, conclama os cismáticos à conversão: [3]
O primado da Sé Apostólica, que não o homem, mas Deus, ou mais acertadamente, o Deus-homem instituiu, é comprovado decerto por muitos testemunhos evangélicos e apostólicos, dos quais procederam em seguida as constituições canônicas, que afirmam concordemente que a Santa Igreja consagrada no beato Pedro, príncipe dos Apóstolos, se eleva como mestra e mãe sobre todas as outras (…) De fato, ainda que o primeiro e principal fundamento da Igreja seja o Unigênito Filho de Deus, Jesus Cristo, segundo o que diz o Apóstolo (cf. ICor 3,11), todavia, o segundo e secundário fundamento da Igreja é Pedro, mesmo se não primeiro no tempo, quanto à autoridade, porém, precípuo entre os outros (…) O Senhor lhe mandou apascentar as Suas ovelhas, com uma palavra repetida três vezes, para que seja considerado estranho ao rebanho do Senhor quem não quiser tê-lo como pastor nos seus sucessores. Não distinguiu portanto entre estas e aquelas ovelhas, mas disse simplesmente: “Apascenta as minhas ovelhas” [Jo 21,17], para que todas compreendessem que foram confiadas a ele.
Pois que, de fato, com o mar se designa o mundo [segundo Sl 104,25] …, com o seu lançar-se ao mar (cf. Jo 21,7), Pedro manifestou o privilégio da singular autoridade pontifical, mediante a qual tinha recebido o inteiro universo para governar, e tendo ficado os outros Apóstolos como que retidos no veículo da embarcação, por isso não foi confiado a nenhum deles o inteiro universo, mas antes foram confiados a cada um deles províncias ou Igrejas distintas.
Pelo fato de ter caminhado sobre as águas (cf. Mt 14,28-31), Pedro demonstrou ter recebido o poder sobre todos os povos. Que por Ele rezou, o Senhor o declara quando diz, no momento da paixão: “Eu rezei por ti, Pedro para que não desfaleça a tua fé. E tu, quando fores convertido, confirma os teus irmãos” [Lc 22,32], com isto claramente indicando que os seus sucessores jamais desviariam da Fé católica, mas antes chamariam os outros e também confirmariam os duvidosos, destarte concedendo a ele o poder de confirmar os outros de modo a impor aos outros a necessidade de obedecer.
Tens lido, além disso, que a ele foi dito: “Tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus e tudo o que desligares sobre a terra será desligado também nos céus” [Mt 16,19]. Se, pois, tu achas que isto foi dito de modo inclusivo também a todos os Apóstolos, saberás, todavia, que aos outros, não sem ele, mas a ele, mesmo sem os outros, foi atribuída a faculdade de ligar e de desligar, para que o que os outros não podem sem ele, ele mesmo o pudesse sem os outros, pelo privilégio a ele atribuído pelo Senhor e pela plenitude de poder que lhe foi concedida.
[Pedro] viu o céu aberto e uma espécie de receptáculo descendo que arriava do céu à terra como uma grande toalha com quatro pontas e que continha toda sorte de quadrúpedes e de répteis da terra e de pássaros do céu [At 10,9-12]. (…) E uma voz foi dirigida a ele pela segunda vez: “O que Deus purificou, não o chames profano”. Com isto é indicado de modo manifesto que Pedro foi posto à frente de todos os povos, visto que aquele receptáculo e todo o conjunto das coisas nele contidas significam os povos tanto dos judeus como dos gentios (Carta Apostolicæ Sedis primatus, ao patriarca de Constantinopla, 1199, Denz-H. 774-5, destaques nossos).

3 Doutrina do Magistério

Usaremos decerto apenas o Magistério da Igreja através dos Concílios universalmente reconhecidos; ignoraremos, portanto, o Magistério da Igreja pós-cisma e dos Papas em particular.
Sínodo de Sérdica em 343:
Esta, de fato, parecerá ser a coisa melhor e mais apropriada: que os sacerdotes do Senhor de todas as províncias recorram à cabeça, isto é, à sé do Apóstolo Pedro (Carta do Sínodo de Sérdica ao Papa São Júlio I, 343, Denz-H. 136, destaques nossos).
Nas atas do Concílio de Éfeso (séc. IV) está escrito:
Não há dúvida, e de fato, por todos os séculos é conhecido que o Santo e muito bem-aventurado Pedro príncipe e Cabeça dos apóstolos, coluna da fé e fundamento da Igreja Católica, recebeu as chaves do reino das mãos do Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, e a ele foi dado o poder de perdoar os pecados; e ele, em seus sucessores, vive e julga até o presente e para sempre” (Concilio de Éfeso, 431, Discurso de Felipe, Legado do Romano Pontífice, Sessão III, Denz. 112, destaques nossos).
Concílio de Calcedônia (séc. V):
Está é a Fé dos Padres! Está é a Fé dos Apóstolos! Devemos crê-la! Seja anátema quem não crê! Pedro nos fala por meio de Leão: está é a verdadeira Fé! (Concilio de Calcedônia, 451, Sessão II, destaques nossos).
Porque o Santíssimo e Bem-aventurado Leão, Arcebispo da grande e Antiga Roma, através de nós e através deste presente Sacrossanto Sínodo, junto com o três vezes Bem-aventurado e glorioso Pedro, o Apóstolo que é a Rocha e fundação da Igreja Católica, e a fundação da Fé ortodoxa (Ibid. Sessão III, destaques nossos).
A carta sinodal ao Papa São Leão Mago:
Que coisa, de fato, dá alegria mais sublime que a fé? (…) tu mesmo a tens conservado, qual corrente de ouro descida do céu até nós por ordem de Quem rege, fazendo-te para todos o intérprete da voz do Bem-aventurado Pedro e atraindo sobre todos a bem-aventurança de sua Fé. Por isso, também nós, usando-te como guia para o aproveitamento deste bem, mostramos aos filhos da Igreja a herança da verdade (…) E nos encontrávamos num comum canto coral, entregando-nos, como nos banquetes imperiais, ao gozo dos alimentos espirituais que Cristo mediante o teu escrito preparou para os convidados; também nos parecia o Esposo celeste estar participando de nosso convívio. Se, de fato, Ele disse que, onde estão dois ou três reunidos em Seu nome, lá está no meio deles [cf. Mt 18,20], que grande familiaridade mostrou Ele aos quinhentos e vinte sacerdotes que puseram acima de pátria e trabalho o entendimento da profissão da Fé referente a Ele e dos quais tu, qual cabeça em relação aos membros, és o guia, demonstrando teu excelente conselho por meio dos que te representavam (Denz-H. 306, c. 451, destaques nossos).
IV Concílio da Constatinopla (séc. IX):
A salvação consiste antes de tudo em guardar a regra da Fé verdadeira (…) E como a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo, que disse: ‘Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja’ [Mt 16,18], não pode ser preterida, o que foi dito é comprovado pelo efeito, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e foi celebrada a Santa Doutrina. Assim, não desejando absolutamente separar-nos desta Fé e desta doutrina, esperamos merecer encontrar-nos na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida e íntegra a verdadeira religião cristã (c. 870, Denz-H. 363, destaques nossos).

3.1 O cânon 28 de Calcedônia

O Concílio de Calcedônia foi convocado em 451 para tratar da heresia do monofisismo. Contudo, os Padres conciliares confirmaram um texto que concedia ao Arcebispo de Constantinopla um status superior aos outros Bispos, inferior apenas a Roma (os ortodoxos, mentirosamente como provaremos, afirmam que o texto concedia igualdade com Roma). O Papa São Leão I (Magno) negou a legitimidade desse cânon.
Eis o conteúdo original do cânon:
Seguindo em todas as coisas as decisões dos Santos Padres e reconhecendo o cânon que simplesmente foi lido perante os 150 Bispos – amados de Deus, a quem congregou na cidade imperial de Constantinopla, Nova Roma, nos tempos do imperador Teodósio, de feliz memória – nós promulgamos e decretamos também as mesmas coisas acerca dos privilégios para a Igreja mais santa de Constantinopla, visto que é a Nova Roma, pela mesma razão que os Padres devidamente concederam os privilégios ao trono da Antiga Roma, porque era a cidade real. E a maioria dos 150 Bispos, agindo pela mesma consideração, concedeu iguais privilégios ao trono santo da Nova Roma, julgando justamente que a cidade é honrada com [a residência de] o imperador e o Senado, desfrutando dos mesmos privilégios que a Antiga Roma imperial, deve possuir as mesmas vantagens na esfera eclesiástica e ser a segunda após ela, de modo que no Pôntico, Ásia e dioceses da Trácia, os Metropolitas e Bispos das mencionadas dioceses, assim como as daquelas que se encontram entre os bárbaros, deverão ser ordenados pelo acima citado Trono Santo da Igreja mais santa de Constantinopla; de modo que cada Metropolita das dioceses mencionadas, junto com os Bispos de sua província, ordenem os seus próprios Bispos provinciais, como foi declarado pelos divinos cânones; entretanto, como se disse anteriormente, os Metropolitas das dioceses mencionadas deverão ser ordenados pelo Arcebispo de Constantinopla, após as eleições terem se realizado apropriadamente, segundo o costume, e relatadas a este (Destaques nossos).
Como visto, o texto reconhece a primazia da Cátedra de Roma e seu primado (“deve possuir as mesmas vantagens na esfera eclesiástica e ser a segunda após ela”). Efetivamente, o texto não vai de encontro à Primazia papal, mas coloca Constantinopla como uma espécie de primazia no oriente. Os legados papais logo contestam essa novidade pelos seguintes motivos:
  • colocavam a supremacia de uma Igreja não em sua fundação, mas numa dependência política (capital do império) [4];
  • feria as prerrogativas das Igreja patriarcais e isso lesionava as prerrogativas das Sés patriarcais de Antioquia, Alexandria e Jerusalém.
Por isso escreveram os Padres conciliares ao Papa:
Nós te pedimos que te dignes dar tua confirmação a esta decisão e, assim como nós nos submetemos a ti, que és a cabeça, temos confiança de que a cabeça consentirá aos filhos o que convém. (…) Para provar que não agimos nem por parcialidade em favor de alguém, nem por espírito de oposição contra quem quer que seja, te damos a conhecer toda a nossa conduta, a fim de que a confirmes e dês o teu assentimento (Inter Leonis Epist. XCVIII, PL LIV col. 960, destaques nossos).
Como dito no texto do cânon 28, a maioria dos Padres decidiram dar essa prerrogativa à Sé de Constantinopla. Se o Papa não fosse o chefe de toda a Igreja, não haveria necessidade de lhe pedir confirmação do texto [5].
Sobre essa situação, fala o historiador Pierre Batiffol:
O Concílio escreve ao Papa para exigir dele que o confirme nos termos de deferência para com a autoridade que se tinha visto e que a referida autoridade é verdadeiramente uma soberania. Sem Roma nada se faz do quanto se deva fazer para a Fé e a ordem. A Sé de Constantinopla espera da Sé Apostólica a confirmação de seus direitos, em reconhecimento do zelo que sempre testemunhou em Roma em razão da religião e da concórdia. Portanto, queremos recalcar que este primado – a que Constantinopla rende homenagem – não está em ponto algum baseado na consideração da categoria histórica ou política da cidade de Roma, mas apenas no privilégio apostólico da Sé Romana (Le Siège apostolique, 564-565, destaques nossos).
Após a rejeição do cânon 28, consta nas Atas do Concílio de Calcedônia (já citado):
Está é a Fé dos Padres! Está é a Fé dos Apóstolos! Devemos crê-la! Seja anátema quem não crê! Pedro nos fala por meio de Leão: está é a verdadeira Fé! (Atas conciliares, Sessão II, destaques nossos).
Tendo sido rejeitada a solicitação de segunda Sé após Roma, o próprio Arcebispo de Constantinopla, Anatólio, escreve ao Papa (uma missiva com teor de desculpas):
No tocante a essas coisas que o Concílio Universal de Calcedônia ordenou recentemente em favor da Igreja de Constantinopla, permita Sua Santidade estar seguro de que não havia qualquer falta em mim, pois desde a minha juventude sempre amei a paz e a quietude, mantendo-me na humildade. Foi o clero mais reverendo da Igreja de Constantinopla que estava ávido por isso e foram eles, apoiados igualmente pelos sacerdotes desses locais, que estavam de acordo sobre isso. Mesmo assim, a plena força de confirmação das atas estava reservada para a autoridade de Sua Beatitude. Consequentemente, permita Sua Santidade saber com toda segurança que eu não fiz nada para levar mais além a situação (Epístola 132 ao Papa Leão I).
Até a revolta de Miguel Cerulário, ou seja, durante seis séculos ninguém jamais mencionou o cânon 28, fazendo referência apenas a 27 cânones do Concílio de Constantinopla (o 28 foi declarado nulo e sem efeito pelo veto de Roma).
Isso mesmo ratificam os historiadores gregos Teodoro o Leitor (em 551), João Escolástico (em 550) e Dionísio o Exíguo (em 550). E também os Papas São Gelásio (cerca de 495), Símaco (cerca de 500) e São Gregório. Esse último afirma:
Porque, assim como o que eles dizem sobre a Igreja de Constantinopla, quem pode duvidar que ela está sujeita à Sé Apostólica, como ambos o mais piedoso senhor, o imperador, e nosso irmão, o Bispo daquela cidade continuamente reconhecida? (Ep. 9,26, destaques nossos).

4 Conclusão

Como exaustivamente mostrado, a acusação de que o Primado de São Pedro sobre todos os Apóstolos e dos Papas, seus sucessores, sobre todos os Bispos é uma doutrina inexistente é totalmente falsa. Ainda, não existe nenhuma novidade na verdade pregada pelos Papas no segundo milênio da Igreja em relação ao primeiro. O que se percebe facilmente, depois de todo o exposto, é que o Primado Petrino é uma doutrina pregada sempre pela Igreja, com suficientes bases na Escritura, na Tradição e no Magistério, tanto papal como eclesiástico.
Cristo, a Verdade (cf. Jo 14,6), revelou ser esta Sua vontade: que todas as prerrogativas da Igreja recaem na pessoa do Apóstolo São Pedro e seus sucessores; e também no Colégio apostólico, sempre com e sob Pedro, e, atualmente, nos Bispos, sucessores dos Apóstolos, sempre com e sob o Papa.
Esperemos, pois, que os acusadores estejam na ignorância e não no erro pertinaz, consciente e desejado para que não percam a filiação divina e sejam adotados por outro pai (cf. Jo 8,44), colocando em risco a sua salvação e a dos outros.
Devemos, portanto, permanecer na verdade tal como nos ordenou Nosso Senhor e prega por toda parte a Sua Igreja para, assim, não resultar a ruína de nossas almas (cf. Jo 8,32).

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Notas

[1] Existe a tese da invalidade da excomunhão de ambas as partes. Da parte católica porque no dia da imposição da pena o Papa Leão IX já havia morrido, fazendo com que seu legado, o Cardeal Humberto, ipso facto, perdesse a função de representante papal. Da parte cismática porque, segundo sua própria doutrina, apenas um Concílio poderia excomungar o Primaz universal.
[2] Corifeu, do grego κορυφαῖος koryphaîos, de κορυφή koryphḗ́, depois para o latim coryphaeus,i “o topo da cabeça, o que ocupa o lugar mais alto, o que está à frente”, nas antigas tragédias e comédias do teatro grego, era o regente ou diretor do coro.
[3] Por uma estratégia argumentativa, citamos apenas as declarações do Primado até antes da concretização do cisma, que se deu em 1054. Na verdade, todo esse conjunto de citações já derrubam o argumento ortodoxo de que os Papas não exerciam ou pregavam o Primado no primeiro milênio da Igreja.
[4] Por esta lógica, hoje, a Igreja mais importante do mundo seria a Arquidiocese de Nova Iorque?
[5] Devemos mencionar que fora os legados papais e dois Bispos da África, os demais partícipes do Concílio eram orientais.

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