quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Algo sobre o caminho estreito

[domtotal]
Por Por Fabrício Veliq*

"Ame a Deus e faça o que você quiser".


De acordo com Mateus, o caminho estreito é colocado em íntima relação com o próximo.

A cada dia sou convencido que andar pelo caminho estreito é trilhar o caminho do amar ao meu próximo como a mim mesmo e a Deus sobre todas as coisas. Algo que considero interessante é perceber que a fala do caminho estreito aparece no Sermão do Monte, logo após o versículo 12, do capítulo 7 de Mateus:
“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas". Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram”.
Nesses versículos o caminho estreito é colocado em íntima relação com o próximo, na mesma esteira de que é no princípio de amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a mim mesmo que se resumem toda lei e os profetas.
Assim, não é uma lista de regras a serem seguidas, mas implica em obras, fruto da fé, que produzem bons frutos como dizem os versículos posteriores do mesmo capítulo, finalizando com a fala de que não são salvos aqueles que fizeram maravilhas em nome de Deus, antes aqueles que fazem a vontade do Pai. E qual a vontade do Pai, senão que amemos uns aos outros como mostrado ao longo de toda a Escritura?
É muito comum ligarmos o caminho estreito às ordenanças. Quem foi criado em uma igreja evangélica nas décadas de 80 e 90 tem isso muito latente em seu ensino e, em algumas igrejas mais rígidas, isso persiste há muito mais tempo, chegando até nossos dias. Contudo, ao longo da Escritura não percebemos que o cerne da questão do andar com Deus esteja ligado às observâncias formais das leis. Não raramente vemos Deus, no Antigo Testamento, falando sobre o rasgar o coração e não as vestes, sobre o jejum que o agrada em Isaías 58, sobre o que pede de nós, em Miquéias 6:8, e tantos outros versículos que poderíamos listar.
Dessa forma, penso que o caminho estreito é acertado por poucos não por ser uma lista de regras difíceis de serem cumpridas, mas porque andar na esteira do amor é extremamente difícil. Viver sem matar, sem roubar, sem se prostituir, sem ver determinado programa, tudo isso nada tem a ver com amar a Deus. Finney mostrou muito bem que, muitas vezes, isso tem mais a ver a amar ao certo que amar a Deus e, nesse sentido, fazer o certo por amar o certo é egoísmo e pecado.
Contudo, amar àquele que te odeia, ajudar o necessitado em sua tribulação, dar comida ao que tem fome, vestir os desnudos, visitar os presos, olhar com misericórdia, e tantas outras atitudes, isso sim é difícil, isso sim parece ter mais a ver com um caminho estreito a ser seguido e que poucos acertam por ele, como diz muito bem Jesus nos versículos que vimos acima.
A meu ver, as diversas ordenanças a que nos impomos a nós mesmos são somente para nos dar segurança. O check list das coisas que podemos e não podemos servem para trazer segurança de que estamos no caminho certo, da forma certa, etc. Mas o caminho do amor passa longe desse caminho de segurança. É um completo se entregar a Deus e ao outro, imprevisível e inseguro e que pode nos conduzir até à morte física, como foi o que aconteceu com Jesus.
Não raramente ouço a pergunta: Então quer dizer que nada é pecado? Se for por essa via de que tudo é amor e só amar importa, então nada é pecado, tudo é permitido.
Agostinho nos diz muito bem uma resposta a isso: “Ame a Deus e faça o que você quiser”. Pelo prisma do amor, a noção daquilo que é pecado é drasticamente mudada. Não é mais uma lista de pode e não pode que está em jogo, mas se é em amor que é feito ou não, se revela o amor ao próximo ou não, se é algo que Jesus faria ou não. Nesse sentido, e somente com o prisma do amor, que se pode declarar algo como pecado ou não pecado. Levando às últimas conseqüências essa linha de raciocínio, não dificilmente chegamos à conclusão de que tudo que não é em amor, é pecado.
Penso que esse é o caminho estreito falado por Jesus.  Simples e complexo, como tudo que Jesus falou e fez. Estreito, tendo somente dois balizadores: Deus e o próximo. Tudo que foge a isso torna-se alargamento do caminho e condutor à perdição.

*Fabrício Veliq é mestre e doutorando em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE), formado em matemática e graduando em filosofia pela UFMG.Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.

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