segunda-feira, 18 de julho de 2016

Jesus abriu a inteligência dos discípulos

Por Felipe Magalhães Francisco*

O Evangelho de Lucas nos ajuda a perceber a importância do gesto de abrir o Livro.

 

Maturidade da fé se alcança com a experiência da Ressurreição de Jesus.

Para as tradições judaica e cristã, o gesto de abrir o Livro das Sagradas Escrituras é carregado de simbolismo. Remete-nos à própria Revelação de Deus. Tanto as liturgias judaicas quanto as cristãs insistem nesse gesto. Para a compreensão cristã, essa Revelação é percebida de uma maneira mais profunda, pois relaciona a Palavra de Deus ao próprio Filho, encarnado em meio à humanidade. Se Deus se revela, é porque quer que nos apropriemos, existencialmente, dessa Revelação, a fim de que estreitemos nossa relação com ele. Afinal, a sabedoria popular insiste na ideia de que só amamos aquilo que conhecemos.
O Evangelho de Lucas nos ajuda a perceber a importância do gesto de abrir o Livro. Na narrativa lucana, o início da missão de Jesus se dá numa sinagoga de Nazaré, na Galileia. Entregam-lhe o Livro; ele abre e proclama o texto de Isaías; depois, fecha o Livro e faz a hermenêutica (cf. Lc 4,14-21). Jesus assume o conteúdo do texto de Isaías como programa de seu ministério: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor” (vv. 18-19). Esses sinais do Reino são possíveis porque, em Jesus, o hoje do cumprimento se realiza (cf. v. 21).
Os discípulos e discípulas de Jesus precisaram estar sempre muito atentos a essa dinâmica do hoje salvífico. E foi só depois da Ressurreição que a compreensão desses discípulos e discípulas se deu de maneira profunda. A maturidade da fé se alcança com a experiência da Ressurreição de Jesus que diz respeito a todos os seus seguidores e seguidoras. É justamente por isso que, depois de ressuscitado, Jesus precisa explicar as Escrituras a seus discípulos e discípulas (cf. Lc 24,27.45), abrindo-lhes a inteligência. Nós, dois mil anos depois, continuamos não estando prontos: é preciso continuar na escola do discipulado, aprendendo com o Mestre Jesus, a nos sensibilizarmos com sua mensagem e com o Reino do Pai.
O que acontece, no entanto, é que estamos perdendo a capacidade de nos abrirmos a um processo de educação, com o qual aprendemos com o próprio Jesus. Vivemos em um tempo de absolutos e isso nos impede de perceber que a maturação da fé se dá num processo de aprofundamento da experiência com o Deus de Jesus e com os irmãos e irmãs. Nesse tempo de absolutos, percebemos a volta de uma atitude apologética, com nova roupagem, por parte dos cristãos e cristãs: a defesa da fé, a todo custo, como imposição de uma verdade sequer elaborada pelos defensores. Na era da internet, então, o diálogo não encontra lugar. Toma-se partido, defende-se sua verdade, apenas a partir dos títulos das publicações: não se lêem os textos, para saber o que o outro tem a dizer. A condenação ao inferno é sumária.
É preciso, urgentemente, romper com essa dinâmica. Se não voltarmos às práticas de Jesus, na consciência de que a fé precisa ser educada, num processo contínuo e de constante volta ao Evangelho, as religiões cristãs tendem a ficar sempre no lugar da defesa, fechadas em si mesmas. A postura rígida da permanente defesa da fé, por parte tanto dos clérigos quanto dos fiéis, é sintomática, pois revela uma fé infantilizada, pautada no medo de qualquer possibilidade de levantar questões que abalem as estruturas dogmáticas. É próprio da fé o questionar-se. Uma fé que não encontra crises, não encontra sentido para o concreto da vida, em atenção aos sinais dos tempos e a atuação de Deus na história. Jesus bem sabia disso e, na liberdade, fazia constante opção de fé em seu Pai. Crescendo na fé, pois crescia em estatura, sabedoria e graça (cf. Lc 2,52), Jesus pôde sempre ajudar aos seus discípulos e discípulas, a amadurecerem na inteligência da fé. Nós, hoje, devemos sempre nos lembrar disso, voltando a Jesus, para que nossa inteligência se abra e nossa verdadeira missão, de anunciar um Reino de vida, liberdade e justiça, aconteça.

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras.

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