[unisinos]
Ao seu modo, após ter se mostrado favorável à comunhão para os
divorciados recasados, na medida em que “não é um prêmio para os
perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos”, o Papa Francisco encoraja agora também os protestantes e os católicos para que recebam a comunhão juntos nas suas respectivas missas.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 01-07-2016. A tradução é de André Langer.
Ele o faz, como sempre, de maneira discursiva, alusiva, não
definitória, e remetendo a decisão última à consciência de cada
indivíduo.
A este respeito, é emblemática a resposta que deu – no dia 15 de novembro de 2015 em sua visita à Christuskirche, a igreja dos luteranos de Roma –, a uma protestante que lhe perguntava se podia aproximar-se da comunhão junto com o seu marido católico.
A resposta de Francisco foi uma impressionante
cascata de palavras: sim, não, não sei, vejam vocês. É indispensável
lê-la inteira, na sua transcrição oficial:
“Obrigado, senhora. À pergunta sobre a partilha da Ceia do Senhor,
não é fácil para mim responder-lhe, sobretudo na presença de um teólogo
como o cardeal Kasper! Tenho medo! Acho que o Senhor
nos disse, quando nos deu este mandato: ‘Fazei isto em memória da mim’. E
quando compartilhamos a Ceia do Senhor, recordamos e imitamos,
realizamos aquilo que fez o Senhor Jesus. E haverá a Ceia do Senhor, o
banquete final na Nova Jerusalém, mas este será o último. Ao contrário,
ao longo do caminho, pergunto-me — e não sei como responder, mas faço
minha a sua interrogação — pergunto-me: compartilhar a Ceia do Senhor é o
fim de uma caminhada, ou constitui o viático para caminhar juntos?
Deixo a pergunta aos teólogos, àqueles que entendem. É verdade que num
certo sentido, compartilhar significa dizer que entre nós não há
diferenças, que nós temos a mesma doutrina — sublinho esta palavra, uma
palavra difícil de entender — contudo, pergunto-me: mas não temos o
mesmo Batismo? E se temos o mesmo Batismo, temos o dever de caminhar
juntos.
A Senhora é o testemunho de um caminho também profundo, porque se
trata de uma senda conjugal, de uma via própria da família, do amor
humano e da fé compartilhada. Nós temos o mesmo Batismo. Quando a
Senhora se sente pecadora — também eu me sinto muito pecador — quando o
seu marido se sente pecador, a senhora apresente-se ao Senhor e pede-lhe
perdão; que o seu marido faça o mesmo e vá ter com o sacerdote para lhe
pedir a absolvição. São remédios para manter vivo o Batismo. Quando vós
rezais juntos, aquele Batismo cresce, torna-se vigoroso; quando vós
ensinais aos vossos filhos quem é Jesus, por que motivo Ele veio, o que
fez Jesus, fazei o mesmo, tanto na linguagem luterana como na linguagem
católica, mas é o mesmo. A pergunta: e a Ceia?
São interrogações às quais só se formos sinceros conosco e com as
poucas ‘luzes’ teológicas que tenho, devemos responder o mesmo, mas
vede-o vós. ‘Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue’, disse o Senhor,
‘Fazei isto em memória de mim’, e este é um viático que nos ajuda a
caminhar. Tive uma grande amizade com um bispo episcopaliano, de
quarenta e oito anos, casado, pai de dois filhos, que vivia com a
seguinte inquietação: a esposa católica, os filhos católicos e ele
bispo. Aos domingos acompanhava a sua esposa e os filhos à Missa e
depois ia oficiar o culto com a sua comunidade. Constituía um passo de
participação na Ceia do Senhor. Mas depois ele foi em frente, o Senhor
chamou-o, um homem justo.
À sua pergunta, só respondo com outra interrogação: como posso
comportar-me com o meu marido, para que a Ceia do Senhor me acompanhe
pelo caminho? Trata-se de um problema ao qual cada um deve responder. No
entanto, um pastor amigo dizia-me: ‘Nós cremos que ali o Senhor está
presente. Está presente! Também vós acreditais que o Senhor está
presente. E qual é a diferença?’ — ‘Pois são as explicações, as
interpretações...’. A vida é maior do que as explicações e
interpretações. Fazei sempre referência ao Batismo: ‘Uma só fé, um só
Batismo, um só Senhor’, assim nos diz Paulo, e assumir as suas
consequências. Nunca ousarei conceder a autorização para fazer isto,
porque não é da minha competência. Um só Batismo, um só Senhor, uma só
fé. Falai com o Senhor e ide em frente. Não me atrevo a dizer mais.”
É impossível tirar uma indicação clara destas palavras. Mas, certamente, falando de uma maneira tão “líquida”, o Papa Francisco colocou tudo em discussão no que diz respeito à intercomunhão entre católicos e protestantes. Fez com que toda opinião seja plausível e, portanto, que se possa colocar em prática.
E de fato, entre os luteranos, as palavras do Papa foram consideradas uma via livre para a intercomunhão.
Mas, também no âmbito católico chegou, recentemente, uma tomada de
posição similar: ela se apresenta como uma interpretação autêntica das
palavras de Francisco na Igreja luterana de Roma.
Quem se faz de intérprete autorizado do Papa sobre esta questão é o jesuíta Giancarlo Pani, no último número da revista La Civiltà Cattolica, dirigida pelo Pe. Antonio Spadaro, que se converteu na voz oficial da Casa Santa Marta, isto é, pessoalmente de Jorge Mario Bergoglio, que revisa e aprova os artigos que mais lhe interessam, antes da sua publicação.
Tomando como ponto de partida a recente declaração conjunta da Conferência Episcopal católica dos Estados Unidos e da Igreja evangélica luterana da América, o Pe. Pani dedica toda a segunda parte do seu artigo à exegese das palavras de Francisco na Christuskirche de Roma, selecionando com destreza aquelas mais úteis para esta finalidade.
E tira a conclusão de que elas significaram “uma mudança” e “um progresso na prática pastoral”, análogo àquela produzida pela Amoris Laetitia para os divorciados recasados.
São apenas “pequenos passos para frente”, escreve Pani no parágrafo final. Mas a direção está assinalada.
E é na mesma direção que Francisco avança quando declara – como fez durante o voo de volta da Armênia – que Lutero
“era um reformador” bem intencionado e que sua reforma foi “um remédio
para a Igreja”, ignorando as divergências dogmáticas essenciais entre
protestantes e católicos no que diz respeito ao sacramento da
eucaristia, porque – palavra de Francisco na Christuskirche de Roma – “a vida é maior do que as explicações e interpretações”.
Seguem, abaixo, as principais passagens do artigo do padre Pani publicado na La Civiltà Cattolica.
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Sobre a intercomunhão entre católicos e protestantes, por Giancarlo Pani, SJ
No dia 31 de outubro de 2015, festa da Reforma, a Conferência Episcopal católica dos Estados Unidos e a Igreja evangélica luterana na América
publicaram uma declaração conjunta que analisa a história do ecumenismo
no último meio século. [...] O texto foi publicado após o encerramento
do Sínodo dos Bispos sobre a família e em vista da comemoração conjunta, em 2017, dos 500 anos da Reforma. [...]
O documento termina com uma importante proposta positiva: “A
possibilidade de uma admissão, ainda que esporádica, dos membros das
nossas Igrejas à comunhão eucarística com a outra parte (ou seja, a
‘communicatio in sacris’), poderia ser oferecida de maneira mais clara e
estar regulada de maneira mais misericordiosa (compassionately)”. [...]
A visita do Papa Francisco à Christuskirche de Roma
Duas semanas depois da promulgação da declaração, no dia 15 de novembro passado, o Papa Francisco visitou a Christuskirche, a Igreja evangélica luterana de Roma. [...]
Durante o encontro, houve uma conversa entre o Papa e
os fiéis. Uma das intervenções foi a de uma senhora luterana, casada
com um católico, que perguntou o que ela podia fazer para participar
junto com o seu marido da comunhão eucarística. Ela especificou:
“Vivemos felizes juntos há muitos anos, compartilhando alegrias e
sofrimentos. E nos causa sofrimento o fato de estarmos divididos na fé e
não poder participar juntos da Ceia do Senhor”.
Respondendo, o Papa Francisco fez uma pergunta: “Compartilhar a Ceia do Senhor, é o final de uma caminhada, ou é o viático para caminhar juntos?”
A resposta a esta pergunta foi dada pelo Vaticano II no decreto Unitatis Redintegratio:
“Não é lícito considerar a communicatio in sacris como um meio a ser
aplicado indiscriminadamente na restauração da unidade dos cristãos.
Esta communicatio depende principalmente de dois princípios: da
necessidade de testemunhar a unidade da Igreja e da participação nos
meios da graça. O testemunho da unidade frequentemente a proíbe. A busca
da graça algumas vezes a recomenda. Sobre o modo concreto de agir,
decida prudentemente a autoridade episcopal local, considerando todas as
circunstancias dos tempos, lugares e pessoas”.
Esta posição foi confirmada e ampliada pelo diretório de 1993, aprovado pelo Papa João Paulo II,
para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo. Nele se
diz: “A compartilha das atividades e dos recursos espirituais deve
refletir esta dupla realidade: 1) a comunhão real na vida do Espírito
que já existe entre os cristãos e que se expressa em sua oração e no
culto litúrgico; 2) o caráter incompleto desta comunhão por causa de
diferenças de fé e de modos de pensar que são inconciliáveis com uma
compartilha plena dos dons espirituais”.
O diretório enfatiza o “caráter incompleto da comunhão” das Igrejas,
que tem por consequência a limitação ao acesso ao sacramento
eucarístico. Mas, se as Igrejas se reconhecem na sucessão apostólica e
admitem os recíprocos ministérios e sacramentos, gozam de um maior
acesso aos próprios sacramentos que, em qualquer caso, segundo o
documento, não deve ser massivo e indiscriminado. A compartilha
sacramental segue sendo, ao contrário, limitada para as Igrejas que não
têm uma comunhão e unidade de fé no que diz respeito à Igreja, à
apostolicidade, aos ministérios e aos sacramentos.
No entanto, a teologia católica conserva com sabedoria diretrizes de
grande alcance, considerando assim caso por caso – como recorda o
decreto Unitatis Redistegratio – com um discernimento que compete ao
ordinário do lugar. Neste sentido, ao menos depois da promulgação do
diretório, não se pode dizer que “os não católicos nunca possam receber a
comunhão em uma celebração eucarística católica”. É interessante
observar como a mesma lógica de “discernimento pastoral” foi aplicada
pelo Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Amoris Laetitia (nn. 304-306).
É permitido participar juntos da Ceia do Senhor?
Aqui podemos referir-nos novamente ao Papa Francisco,
que prossegue: “Não temos o mesmo Batismo? E se temos o mesmo Batismo,
temos o dever de caminhar juntos. Você [o Papa refere-se à Senhora que
fez a pergunta] é o testemunho de um caminho também profundo, porque se
trata de uma senda conjugal, de uma via própria da família, do amor
humano e da fé compartilhada. [...] Quando você se sente pecadora —
também eu me sinto muito pecador — quando o seu marido se sente pecador,
a senhora apresente-se ao Senhor e pede-lhe perdão; que o seu marido
faça o mesmo e vá ter com o sacerdote para lhe pedir a absolvição. São
remédios para manter vivo o Batismo. Quando vós rezais juntos, aquele
Batismo cresce, torna-se vigoroso. [...] A pergunta: e a Ceia? São
interrogações às quais só se formos sinceros conosco e com as poucas
‘luzes’ teológicas que tenho, devemos responder o mesmo. [...] ‘Isto é o
meu Corpo, isto é o meu Sangue’, disse o Senhor, ‘Fazei isto em memória
de mim’, e este é um viático que nos ajuda a caminhar”.
Mas, então, pode-se participar juntos da Ceia do Senhor? A este propósito, o Papa
faz uma distinção: “Nunca ousarei conceder a autorização para fazer
isto, porque não é da minha competência”. Depois acrescenta, recordando
as palavras do apóstolo Paulo: “Uma só fé, um só Batismo, um só Senhor”
(Ef 4, 5) e exorta, continuando: “Trata-se de um problema ao qual cada
um deve responder. [...] Falai com o Senhor e ide em frente”.
Aqui entra em jogo a missão principal da Igreja, formulada também no Código de Direito Canônico
como “salus animarum, quae in Ecclesia suprema lex esse debet” (cfr.
1752). A necessidade de uma avaliação concreta de cada caso individual é
absolutamente confirmada por aquela que é a missão principal da Igreja,
a “salus animarum”. Por isso, diante de casos extremos, o acesso à vida
da graça que os sacramentos garantem, sobretudo no caso do acesso à
eucaristia e à reconciliação, torna-se um imperativo pastoral e moral.
A pastoral do Papa Francisco
A tomada de posição do Papa parece ser uma reafirmação das diretrizes do Vaticano II. Mas observa-se que existe uma mudança que pode ser entendida como um progresso na prática pastoral. De fato, Francisco, como Bispo de Roma e pastor da Igreja universal, confirmando o quanto afirma o Concílio
inclui esta prática no caminho histórico que o diálogo
luterano-católico fez sobre os sacramentos da reconciliação e da
eucaristia. O diretório de 1993 já observava que, “em determinadas
circunstâncias, de maneira excepcional e em determinadas condições, a
admissão a estes sacramentos pode ser autorizada, e inclusive
recomendada, a cristãos de outras Igrejas e comunidades eclesiais”.
Além do mais, 10 anos antes, o Código de Direito Canônico ditava as condições em fiéis das Igrejas nascidas da Reforma
(luteranos, anglicanos, etc.) podem receber os sacramentos em
circunstâncias particulares: por exemplo, “quando estes não possam
acudir a um ministro de sua própria comunidade e o peçam
espontaneamente, com tal de que professem a fé católica respeito a esses
sacramentos e estejam bem dispostos.” (cân. 844 § 4).
O Papa João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia,
de 2003, esclareceu alguns pontos a respeito, afirmando que “é
necessário fixar-se bem nestas condições que são imprescindíveis, mesmo
tratando-se de casos particulares e determinados”, como a do “perigo de
morte ou outra grave necessidade”. A intenção destas precisões é sempre a
atenção pastoral das pessoas, estando especialmente atento para não
levar ao indiferentismo.
É necessário esclarecer aqui que se, por um lado, as medidas de
prudência e restritivas que a Igreja pôs no passado estão baseadas na
teologia sacramental, por outro lado, sua missão pastoral e a salvação
das almas, fundamentais para ela, revelam o valor da graça do Senhor e a
compartilha dos bens espirituais. O Papa Francisco
prestou particular atenção aos problemas da pessoa na “communicatio in
sacris”, à luz dos desenvolvimentos do ensino da Igreja, desde o
Concílio até o diretório de 1993 consagrado aos princípios e normas do
ecumenismo, desde a declaração conjunta relativa à doutrina da justificação de 1999 até o texto “Do conflito à comunhão” de 2013 e até a última declaração de 2015.
Trata-se de pequenos passos para frente na prática pastoral. A norma e
a doutrina devem estar guiadas, cada vez mais, pela lógica evangélica e
pela misericórdia, pela atenção pastoral dos fiéis, pela atenção dos
problemas da pessoa e pela valorização da consciência iluminada pelo
Evangelho e pelo Espírito de Deus.
Para ler o artigo (em italiano) do Pe. Giancarlo Pani na revista La Civiltà Cattolica de 9 de julho de 2016, clique aqui">aqui.
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