Não sei se hoje o D. Olivieri, o bispo ancião de Albenga,
Itália, se demitirá do púlpito como solicita o Papa ou se ainda se
deverão esperar outros dias e talvez um ato de império do Vaticano para
ver o fim da farsa albenganense dos dois bispos separados em...
'episcópio'.
O comentário é de Vittorio Coletti, publicado por La Repubblica, 01-05-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Este homem delicado e orgulhoso, honesto
e álgido, generoso com o irmão enfermo e indiferente a todos os outros,
seria narrado por uma biografia de qualidade. Nos jornas se fala dele
pela excessiva indulgência com algum padre pecador. Mas não é o único
bispo que a teve e não é senão um aspecto midiaticamente manifestado de
uma personalidade que me parece mais ou menos interessante (ou
perturbante) para os outros. Acima de tudo pela sua fé particular. D. Olivieri, de humilíssimas origens tornado príncipe da Igreja, fez aquilo que na história tem acontecido com frequência.
Ele fez da Igreja, que o premiou tão
extraordinariamente, o seu verdadeiro e único Deus; isto é, venerou a
instituição muito mais do que os evangelhos e o Deus de quem ela diz ter
origem e razão. Sucedeu infinitas vezes na história da Igreja e até se
pode dizer que tenha sido a regra prevalente na Igreja católica, também
se, periodicamente, tenham chegado os Francisco (santos ou papas), dos Lutero, dos Papa João, dos Martini a corrigir a rota, a recolocar no altar Deus e seu evangelho ao invés da Igreja e de sua hierarquia. Antonio Rosmini havia explicado a Alessandro Manzoni
que, como diz o Credo, se crê em Deus, mas se crê na Igreja uma, santa,
etc., isto é, ela é professada, porque a fé é somente em Deus. D. Olivieri jamais teve clara esta diferença linguística e teológica.
E agora é fácil imaginar o seu drama
interior: aquela Igreja na qual se crê, que divinizou com plena e
honesta convicção e à qual, por conseguinte, deve obedecer e venerar
como Deus, hoje o expele do seu palácio, quer coloca-lo previamente em
pensão. Deve parecer-lhe incrível que, para resistir, provavelmente se
disse que no fundo a Igreja do Vaticano e do Papa Francisco
não é a verdadeira Igreja, mas um seu momentâneo desvio à espera de
alguém que a ponha no trono dourado do qual as suas próprias cúpulas a
fizeram absurdamente descer.
De resto, esta é a reação de quase todos
os ultra ortodoxos das várias religiões ou ideologias; também aqueles
de Luta comunista pensam isto do comunismo. A fé mais na Igreja do que
em Deus está na origem também da estouvada pedagogia de D. Olivieri,
cujos frutos se veem nos seus padres sexualmente frágeis e imaturos,
como os acusados de pedofilia ou agressivos como aqueles que se meteram a
cadeiradas no seminário, ou naqueles vaidosos e pré-conciliares que
circulam como modelinhos para alfaiataria do clero, afetados por manias
identitárias (da talar ao tricórnio, à missa em italiano, à intolerância
com outras religiões).
Um destes, no dia da Páscoa, bateu
imperiosamente na prédica porque narrou três lendas: uma sobre o bom
ladrão, outra sobre um soldado hebreu adepto da crucifixão e condenado a
se tornar o hebreu errante, e uma terceira que quereria Jesus
aparecendo, após a ressurreição, primeiro à sua mãe (no fundo era um
bravo filho) do que aos discípulos. Na prática, direcionou toda ou quase
toda a sua homilia pascal para a sexta-feira da morte sem nenhuma
reflexão sobre o domingo da ressurreição.
Aquele jovem padre está de fato firme na sexta-feira, como bom aluno de D. Olivieri.
A Igreja que o seu bispo lhe ensinou é de fato aquela do tremor e do
vazio da sexta-feira, e a única coisa que permanece de pé quando Deus
está morto, não existe. Porque a força da Igreja de D. Olivieri
não está na fé no Deus que virá, mas na sua substituição quando e até
que não exista. Isto é, sempre, pelo menos sobre esta terra, o domingo
vai sendo transferido até o fim dos tempos. Esta é a convicção dos
tradicionalistas como o bispo Olivieri, para o qual a
única ajuda ao homem pode vir da Igreja, e não certamente de Deus, que
habita tão longe e sem substância e para esta terra é como se fosse
morto.
Deste gênero são, portanto os netos de D. Olivieri. Um deles é também Pe. Chizzolini, o famoso pároco de Arnasco
que, após ter-se apresentado para as suas caritativas declarações sobre
a acolhida aos prófugos (“antes do fogo à canônica”), evitou depois
abençoar o corpo de uma mulher marroquina falecida no desmoronamento de
uma casa, porque ainda não batizada, embora, parece, fosse preparada à
conversão pelo marido.
O prelado de Albenga, não mau e sim cabeçudo, para o qual o catolicismo continuou fiel ao Concílio de Trento,
instigou ao sacerdócio gente que não era impelida pela fé ou pela
caridade, mas pelas próprias humanas e contorcidas debilidades
psicofísicas ou intelectuais: gente tão despreparada a ponto de crer
que, em pleno século vinte e um, a Igreja católica seja ainda o lugar
certo para encontrar reparação das próprias fragilidades culturais ou
psicológicas e até dos próprios gostos sexuais, que hoje, ao invés, a
sociedade liberalizada está em tudo permitindo a cada um de viver sem
sentimentos de culpa e embaraços excessivos.
Quase não existem mais, pelo menos na
Itália, jovens que se tornem padres pelas modestas e no fundo inocentes
razões de pequena sistematização social de Pe. Abbondio
(se os há, vem de outros Países), mas, ao invés, ainda há demasiados
que o fazem devido a pesadas perturbações psíquicas e mentais pessoais. D. Olivieri
acolheu diversos, educados e mimados, e viu na razão desviada que
presidia sua vocação não um problema, mas um sinal de santidade
inconciliável com o mundo, a ponto de permitir-se ignorar as leis.
D. Olivieri preparou
uma ninhada de padres cuja vocação coincide com a veste talar com a qual
procuram em vão cobrir as perturbações interiores, fazendo que se
tornassem não só ainda mais graves e danosos para si mesmos, mas também
escandalosos para os outros. Para este inefável présule a Igreja é um
território livre das leis humanas e somente sujeito, não direi às leis
divinas, mas àquelas da hierarquia.
Quando foi convocado em procuração em Savona
para ser interrogado sobre fatos não límpidos de sua diocese, sentiu a
necessidade de esclarecer que estava em visita de cortesia, e não por
arrogância e, menos que nunca, por sentido do humorismo, mas porque de
fato sinceramente convencido de que um bispo pode inclinar-se à lei dos
homens só pela sua complacência, e certamente não por dever cívico. Dá
quase sincera pena a patética resistência no episcópio albenganense
deste velho cansado e coxo, que fora dos palácios da Igreja se sentiria
acabado.
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