quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Uma pergunta ao imperador romano: como punir a seita dos fanáticos cristãos?


Ano 111 d.C.: o governador da província da Bitínia, Plínio, o Jovem, pede instruções ao imperador Trajano para lidar com os "portadores de loucura"

 


Em torno ao ano 111 d.C., o governador Caio Plínio Segundo, também conhecido como Plínio, o Jovem (imagem em destaque), escreveu uma carta ao imperador romano Trajano. Plínio comandava a província romana da Bitínia, situada na atual região noroeste da Turquia. Ele queria instruções do imperador sobre como proceder no julgamento dos membros de uma seita de fanáticos supersticiosos, teimosos e obstinados, “portadores de loucura”: os cristãos.

A carta de Plínio, o Jovem

Senhor [Imperador Trajano],
É regra para mim submeter-te todos os assuntos sobre os quais tenho dúvidas, pois quem mais poderia orientar-me melhor em minhas hesitações ou me instruir na minha ignorância?
Nunca participei de inquéritos contra os cristãos. Assim, não sei a quais fatos e em que medidas devem ser aplicadas penas ou investigações judiciárias. Também me pergunto, não sem perplexidade: deve-se considerar algo com relação à idade, ou a criança deve ser tratada da mesma forma que o adulto? Deve-se perdoar o arrependido ou o cristão não lucra nada tendo voltado atrás? É punido o nome de “cristãos”, mesmo sem crimes, ou são punidos os crimes que o nome deles implica?
Esta foi a regra que eu segui diante dos que me foram deferidos como cristãos: perguntei a eles mesmos se eram cristãos; aos que respondiam afirmativamente, repeti uma segunda e uma terceira vez a pergunta, ameaçando-os com o suplício. Os que persistiram mandei executá-los pois eu não duvidava que, seja qual for a culpa, a teimosia e a obstinação inflexível deveriam ser punidas. Outros, cidadãos romanos portadores da mesma loucura, pus no rol dos que devem ser enviados a Roma.
Bem cedo, como acontece em casos semelhantes, com o avançar do inquérito se estendia também o crime, apresentando-se diversos casos de tipo diferente.
Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número de nomes. Os que negavam ser cristãos ou tê-lo sido, se invocassem os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto com as estátuas dos deuses) e, se além disso, amaldiçoavam a Cristo – coisas estas que são impossíveis de se obter dos verdadeiros cristãos – achei melhor libertá-los.
Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram ser cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de ser, alguns há três anos, outros há mais tempo, alguns até há vinte anos. Todos estes adoraram a tua imagem e as estátuas dos deuses e amaldiçoaram a Cristo, porém, afirmaram que a culpa deles, ou o erro, não passava do costume de se reunirem num dia fixo, antes do nascer do sol, para cantar um hino a Cristo como a um deus; de obrigarem-se, por juramento, a não cometer crimes, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não negar um depósito exigido na justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição comum e inocente, sendo que tinham renunciado à esta prática após a publicação de um edito teu onde, segundo as tuas ordens, se proibiam as associações secretas.
Então achei necessário arrancar a verdade, por meio da tortura, de duas escravas que eram chamadas ministrae, mas nada descobri além de uma superstição irracional e sem medida. Por isso, suspendi o inquérito para recorrer ao teu conselho.
O assunto me parece merecer a tua opinião, principalmente por causa do grande número de acusados. Há uma multidão de todas as idades, de todas as condições e dos dois sexos, que estão ou estarão em perigo, não apenas nas cidades mas também nas aldeias e campos onde se espalha o contágio dessa superstição; contudo, creio ser possível contê-la e exterminá-la.
Com certeza, sei que os templos desertos até há pouco, começam a ser novamente frequentados; que as solenidades sagradas até há pouco interrompidas, são retomadas; e que, por toda a parte, voltam a vender-se a carne das vítimas, até há pouco sem compradores. Disto pode-se concluir que uma multidão de pessoas poderia ser curada se fosse aceito o arrependimento delas.

A carta-resposta do imperador Trajano

Meu caro [Plínio] Segundo,
Seguiste a atitude correta, exatamente a que devias ter no exame das causas daqueles que te foram denunciados como cristãos.
Não há como se estabelecer uma regra geral, que tenha valor de norma fixa. [Porém,] não deve ser objeto de investigação por iniciativa oficial. Se forem denunciados e confessarem, devem ser condenados observando-se a seguinte restrição: aquele que negar ser cristão, mesmo sendo suspeito com relação ao passado, e oferecer prova clara disso, sacrificando aos nossos deuses, seja perdoado por seu arrependimento.
Quanto às denúncias anônimas, não devem ser consideradas em nenhuma acusação, pois são um exemplo detestável e não são dignas da nossa época.

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