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Por Dom Gil Antônio Moreira*
Ensina o evangelista Lucas que, ao iniciar sua
vida pública, Jesus se fez batizar no Rio Jordão, por João, o Precursor.
Ao descer Jesus às águas, algo sobrenatural se manifestou de forma
inequívoca. O Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba e
ouviu-se a voz do Pai que proclamou: “Tu és o meu Filho amado, em ti
ponho o meu bem querer” (cf Lc 3, 22).
Somos acostumados a ver o batismo como ato purificador, simbólico e
eficaz. João batizava levando as pessoas a tomarem um bom banho nas
águas do Jordão, após o qual se sentiam rejuvenescidas de seus cansaços e
fortalecidas para tomarem novo caminho. O costume de batizar para
significar tempo novo, limpeza da alma, purificação dos pecados não foi
inventado por João Batista e nem por Jesus. Havia em seu tempo,
comunidades como a de Qunran, cujos membros se batizavam todos os dias,
buscando não somente a limpeza do corpo, mas o restabelecimento de
pureza espiritual.
Porém, algo novo se dá no relato dos evangelistas sobre o batismo de
Jesus. Ao mesmo tempo em que os evangelhos mostram que o Menino, nascido
de Maria, em Belém, é o Filho de Deus feito homem, o Verbo Eterno que
se fez carne, afirmam também que foi batizado por alguém que era
pecador, embora fosse o Precursor. A narrativa da voz que veio do alto
confirma a realidade divina de Cristo, destacando-o como Filho amado do
Pai, sobre o qual estava o Espírito Santo.
A exegese católica, a ortodoxa e a protestante coincide na mesma
crença, afirmando que a filiação divina de Cristo não é igual a filiação
dos demais seres humanos, uma vez que Jesus é filho de Deus por
natureza e nós o somos por adoção. Tal realidade nos é conferida por
misericórdia do Pai, quando somos batizados, ocasião em que somos
perdoados de todos os pecados cometidos até então. Portanto, o batismo
de Cristo não tem caráter purificador para si mesmo, uma vez que não
tinha pecados, mas se deu também por pura misericórdia do Pai que o faz
descer às águas batismais carregando sobre si os pecados da humanidade e
para nos indicar o caminho da graça a seguir no desenrolar da vida. Na
cruz, ele vai levar às últimas consequências este gesto de misericórdia
com o banho de seu sangue com o qual nos salvou.
Nas palavras de João Batista ao ser interrogado se ele próprio não
seria o Messias, encontramos uma verdadeira profissão de fé por parte do
Profeta do Jordão, indicando a superioridade de Cristo e demonstrando a
diferença entre o seu batismo e o batismo cristão (cf. Lc 3, 16).
Também nas palavras de João Batista, podemos observar os sinais
evidentes da misericórdia, quando ele demonstra sua fé na bondade de
Deus que há de dar o Espírito Santo, fogo purificador, a todo aquele que
crer e humildemente se reconhecer pecador, necessitado da misericórdia
de Deus.
No corrente ano o Papa Francisco nos propõe vivenciar, de forma
intensa e contínua, a virtude da misericórdia, recordando que esta é a
característica mais evidente dos batizados. Ele afirma: “A misericórdia é
um outro nome do amor”. Poderíamos completar: a misericórdia é a forma
concreta de se praticar o amor. Pelo batismo nos tornamos membros
efetivos e afetivos da Igreja. Diz o Papa: “A Igreja tem a missão de
anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por
meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa” (MV 12). Mais
adiante ele recorda: “Onde a Igreja estiver presente, aí deve ser
evidente a misericórdia do Pai” (MV idem).
Ao concluir o ciclo litúrgico do Natal com a festa do Batismo do
Senhor, somos impelidos a viver no dia a dia a virtude da misericórdia,
ao convite do próprio Cristo: “Sede misericordiosos como vosso Pai
celeste é misericordioso” (Lc 6, 36), pois o batismo que recebemos é
fonte de misericórdia.
CNBB
* Dom Gil Antônio Moreira é arcebispo de Juiz de Fora (MG).
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