[unisinos]
"Para que essa presença, esses novos espaços, essa peculiaridade não
se tornem uma questão da qual se ocupam somente as mulheres, numa
“segregação”, que é o contrário da reciprocidade fecunda tantas
vezes invocada pelo papa. Uma reciprocidade que tem em si o masculino e
o feminino, a paternidade e a maternidade", escreve Annachiara Valle, em artigo publicado por Italiani Europei, 06-01-2016. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Eis o artigo.
Fecha para padres mulheres, mas abre outros caminhos mais complexos e menos explorados. Para o papa Francisco a questão das mulheres na Igreja
não terminou na reivindicação de um tipo de “oportunidades iguais”. Vai
além, na busca pelo que seja o carisma, a vocação, “o gênio”, como
dizia João Paulo II, exatamente sobre o universo feminino. No voo de volta da viagem a Cuba e aos Estados Unidos, Bergoglio,
ao ser questionado diretamente sobre ordenações presbíteras femininas,
teria respondido: “Não porque as mulheres não tenham capacidade, porque
na Igreja as mulheres são mais importantes do que os homens”. Uma
importância que, explica o papa, não está nos planos de fazer as mesmas
coisas que os homens. Muito menos de serem sacerdotes. A maior razão
para, como cita mais de um teólogo, falar que as mulheres poderiam ter
poder na Igreja se tivessem a possibilidade se se tornarem ministros
ordinários esconde uma concessão clerical da própria Igreja, de tal
forma que somente o sacerdote teria dignidade e papel superior aos
demais membros da Igreja. Uma concessão da qual não somente as mulheres,
mas todos os laicos sairiam humilhados.
Mas o que quer dizer que “na Igreja as mulheres são mais importantes que os homens”? É o Papa Francisco
que, em 2013, retornando da sua primeira viagem internacional ao Rio de
Janeiro, explica que “uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio
apostólico sem Maria. O papel da mulher na Igreja não é
somente a maternidade, a mãe de família, mas é mais forte: é exatamente
o ícone da Virgem, de Nossa Senhora; aquela que ajuda a Igreja a
crescer”. E, com a expressão que teve em outras ocasiões, teria
acrescentado que “Nossa Senhora é mais importante do que os Apóstolos! É
mais importante! A Igreja é feminina: é Igreja, é esposa, é mãe. Mas o
papel da mulher, na Igreja, não deve acabar somente como mãe, como
trabalhadora, limitada... Não! É uma outra coisa!”.
O exemplo, dito agora mas repetido em julho de 2013 visitando o Paraguai,
é exatamente o das mulheres daquele país, “a mulher mais gloriosa da
América Latina”. Gloriosa porque é graças às suas mulheres que o Paraguai,
um país dizimado pela guerra, foi capaz de se reconstruir e repovoar,
de transmitir a fé, de arrumar o tecido social então rasgado. “Mulheres
ativas”, que têm vontades e um papel guia na sociedade. Um exemplo a
seguir também na Igreja, porque “não se pode entender uma Igreja sem as
mulheres, mas mulheres que sejam ativas na Igreja, com o seu perfil”.
Como fizeram as mulheres paraguaias. “Permaneceram ali, depois da
guerra, oito mulheres para cada homem, e essas mulheres fizeram uma
escolha difícil: a escolha de ter filhos para salvar a pátria, a
cultura, a fé e a língua”.
E ainda na Igreja se deve “pensar na mulher nessa perspectiva: de
escolhas arriscadas, mas como mulheres. Isso se deve explicitar melhor.
Creio que nós não temos feito ainda uma profunda teologia da mulher,
na Igreja”. Uma promoção que também passa pelos afazeres, mas que não
fica só nisso. Então não apenas, afirma o papa, a mulher “pode fazer
isso, pode fazer aquilo, agora atua como ministra, agora lê as
Escrituras, é presidente da Cáritas... Mas pode muito mais! É preciso
fazer uma profunda teologia da mulher”.
Uma teologia que tem necessidade de palavras novas, de uma linguagem
que não seja, como talvez tenha sido em excesso, “feminista”, mas
“feminina”. Não é um caso em que seja necessário palavras “femininas”
para explicar a Igreja e falar ao mundo o que é essa “mãe fecunda”,
“cheia de compaixão”, “que ama da forma visceral das mães”, capaz sempre
de “gerar”. É com o exemplo e a presença das mulheres que a Igreja,
como disse o papa Francisco aos bispos brasileiros em
2013, “gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão”.
“A Igreja é mulher, é A Igreja, não O Igreja”, ressaltou por várias
vezes Bergoglio.
E é no início deste mesmo ano, na audiência de 07 de fevereiro, que o
papa ditou uma agenda específica para valorizar a presença feminina.
“Uma luta não mais adiada (aquela de) estudar critérios e modalidades
novas para que as mulheres se sintam não apenas visitantes, mas plenos
participantes dos vários âmbitos da vida social e eclesiástica”. Uma
batalha na qual são primeiramente chamados os pastores das nossas
Igrejas, mas também laicos de diversas maneiras comprometidos na
cultura, na educação, na economia, na política, no mundo do trabalho,
nas famílias, nas instruções religiosas.
A palavra-chave é o “com”
da relação. “A igualdade e a diferença das mulheres – como do restante
dos homens – são mais bem percebidas na perspectiva do com, da relação,
do que nado contra”, tinha dito Francisco naquela
ocasião. “Há tempo fomos deixados para trás, pelo menos nas sociedades
ocidentais, o modelo da subordinação da mulher ao homem, um modelo
secular que, porém, não terminou com todos os seus efeitos negativos.
Superamos também um segundo modelo, aquele da igualdade pura e simples,
aplicada mecanicamente, e da igualdade absoluta. Assim
se configurou um novo paradigma, aquele da reciprocidade na equivalência
e na diferença. A relação homem-mulher, então, deveria reconhecer que
ambos são necessários enquanto possuem, sim, uma identidade natural, mas
com modalidades próprias. Um é necessário ao outro, e vice-versa, para
que se cumpra a plenitude da pessoa”.
O código simbólico, para entender a contribuição das mulheres na
Igreja e na sociedade, é aquele da “geração”, não apenas no sentido
biológico. O papa resume essa geração em quatro verbos: “desejar,
colocar no mundo, cuidar e deixar andar”. Verbos que as mulheres tornam
explícitos em todos os âmbitos nos quais trabalham: na família, no campo
da educação para a fé, na atividade pastoral, na formação escolar, nas
estruturas sociais, culturais e econômicas. “Vocês mulheres – ainda é o
Papa quem fala – sabem encarar a face gentil de Deus, a sua
misericórdia, que se traduz na disponibilidade em doar tempo mais que
ocupar espaços, a acolher ao invés de excluir. Neste sentido, me agrada
descrever a dimensão feminina da Igreja como o colo acolhedor que
regenera a vida”.¹
Mas, exatamente para que a Igreja não perca a sua fecundidade e a sua
capacidade de proteger e acompanhar a vida, é urgente que as mulheres tenham, seja na sociedade ou na Igreja, os espaços idôneos para que sua presença seja eficaz. De tal maneira
que não coloque em contraposição as diversas esferas, que não penalize a
vida privada, que não coloque as mulheres diante da escolha
“trabalho-família”, que administrem seus salários e suas exigências, que
protejam o seu corpo.
“Trata-se – explica Bergoglio na mesma ocasião – de
encorajar e promover a presença eficaz das mulheres em tantas partes da
esfera pública, no mundo do trabalho e nos locais onde são tomadas as
decisões mais importantes, e ao mesmo tempo manter a sua presença e
atenção preferencial, e de todo especial, nela e pela família. Não é
preciso deixar que as mulheres levem este peso sozinhas e que tomem as
decisões, mas todas as instituições, a elas somada a comunidade
eclesiástica, são chamadas e garantida a liberdade de escolha para as
mulheres, para que tenham a possibilidade de assumir responsabilidades
sociais e eclesiásticas em harmonia com a vida familiar”.
E, se na agenda de Bergoglio existe uma mulher
presente na esfera pública, o papa fala “convencido da urgência de
oferecer espaços às mulheres também na vida da Igreja e de acolher,
percebendo as especificidades e as sensibilidades culturais e sociais. É
desejável, portanto, uma presença feminina mais capilar e incisiva nas
Comunidades, de tal forma que possamos ver muitas mulheres envolvidas
nas responsabilidades pastorais, no acompanhamento de pessoas, famílias e
grupos, assim como na reflexão teológica”.
Presença no público, presença na Igreja, mas presença também na família. E junto. Esta é, na concepção de Bergoglio,
a própria vocação humana: “Não se pode esquecer – explica o papa – o
papel insubstituível da mulher na família. Os dons de delicadeza,
sensibilidade peculiar e gentileza, da qual a alma feminina é rica,
representam não somente uma força genuína para a vida das famílias, para
a irradiação de um clima de serenidade e de harmonia, mas também uma
realidade sem a qual a vocação humana não poderia ser realizada”.
Uma batalha tripla que as mulheres acolheram há tempo, mas que necessita do empenho de toda a comunidade eclesiástica e social. Para que essa presença, esses novos espaços, essa peculiaridade não se tornem uma questão da qual se ocupam somente as mulheres, numa “segregação”, que é o contrário da reciprocidade fecunda tantas vezes invocada pelo papa. Uma reciprocidade que tem em si o masculino e o feminino, a paternidade e a maternidade. Porque “é preciso uma Igreja capaz de redescobrir as vísceras maternas da misericórdia, porque sem a misericórdia não se tem muito a fazer hoje para se inserir em um mundo de “feridos” que necessitam de compreensão, de perdão, de amor”. Se o exemplo é “uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, mais facilitadora da fé que controladora da fé”, o modelo não pode ser outro que não a mulher.
Uma batalha tripla que as mulheres acolheram há tempo, mas que necessita do empenho de toda a comunidade eclesiástica e social. Para que essa presença, esses novos espaços, essa peculiaridade não se tornem uma questão da qual se ocupam somente as mulheres, numa “segregação”, que é o contrário da reciprocidade fecunda tantas vezes invocada pelo papa. Uma reciprocidade que tem em si o masculino e o feminino, a paternidade e a maternidade. Porque “é preciso uma Igreja capaz de redescobrir as vísceras maternas da misericórdia, porque sem a misericórdia não se tem muito a fazer hoje para se inserir em um mundo de “feridos” que necessitam de compreensão, de perdão, de amor”. Se o exemplo é “uma Igreja Esposa, Mãe, Serva, mais facilitadora da fé que controladora da fé”, o modelo não pode ser outro que não a mulher.
É ela que revela a face de um Deus pai que é também “mãe”, dizia João Paulo I com a expressão que também o papa Francisco
usou tantas vezes. Um pai que é como aquele do filho pródigo. A Igreja,
“mãe de coração aberto”, como Francisco intitula um dos capítulos da
exortação apostólica “Evangelii gaudium”, é capaz de
levar novamente o mundo “ao pai que deixou as portas abertas para que
quando o filho voltar possa entrar sem dificuldades”.
A Igreja mãe é também pai misericordioso, a Igreja com a sua
“materialidade” é a “casa paterna onde tem lugar para qualquer pessoa
com sua vida cansada”, disse Francisco no dia 05 de fevereiro.
Uma perspectiva que diz respeito a homens e mulheres e que faz da
questão feminina não uma reivindicação ideológica, não uma luta de
poder, mas uma batalha para que homens e mulheres possam falar, juntos, o
valor do humano. E defendê-lo. Para Bergoglio é a
mulher, “cada mulher” que “leva uma secreta e especial benção para a
defesa da criatura do maligno, como a mulher do Apocalipse que corre
para defender o filho do dragão e o protege”, acrescentou em 16 de setembro.
Cada mulher, disse no dia seguinte recebendo as religiosas, porque todas “são mães, com o desejo de andar na primeira linha com uma ‘materialidade’ que a faz
próxima da Igreja”. É tempo, porém, de arregaçar as mangas, de estudar,
de criar locais de reflexão e de prática. Locais compartilhados onde
trabalhem juntos homens e mulheres. Uma teologia a ser
feita junto, homens e mulheres, na reciprocidade e não na separação na
qual os homens pensam nos homens e as mulheres pensam nas mulheres.
Hoje, mais do que nunca, “tem espaço para uma teologia da mulher que esteja à altura dessa benção de Deus para ela e para a geração contemporânea”.
Nota:
1 – Coletiva aos participantes da
Assembleia Plenária do Pontifício Conselho da Cultura, 07 de fevereiro
de 2015, disponível no site
press.vatican.va/contente/salastampa/it/bolletino/pubblico/2015/02/07/0099/00220.html
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