sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O crucifixo comunista: socialismo e catolicismo deixaram de ser “termos contraditórios”?

[ipco]
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Crucifixo comunista com a foice e o martelo
Na análise dos fatos presentes, o jornalista católico deve seguir a mesma diretriz dada pelo Papa Leão XIII aos estudiosos da História da Igreja: “Não diga nada falso, não cale nada verdadeiro”[1], pois “Deus não tem necessidade de nossas mentiras (Jó 13.7). [2] 

Um crucifixo comunista

É pois tendo em vista as palavras do renomado Pontífice que devemos analisar o gesto cheio de simbolismo do Papa Francisco, em sua recente viagem à Bolívia, ao aceitar ser  “condecorado” pelo Presidente socialista Evo Morales com um medalhão representando Nosso Senhor crucificado sobre o símbolo comunista da foice e do martelo. Recebeu também, nessa ocasião, a mesma representação, em forma de escultura (fotos aqui, aqui, e aqui, vídeo aqui.)
Tal crucifixo vem sendo qualificado por muitos ─ como, por exemplo o Pe. James V. Schall, S.J. ─ e órgãos da mídia como “crucifixo comunista”.[3]

“Condecoração” marxista criada para o papa

Convém ressaltar que a entrega do referido medalhão não constituiu uma surpresa. Com efeito, os jornais bolivianos noticiaram com antecedência que o Legislativo desse país havia aprovado a criação de uma condecoração em honra do Pe. Luis Espinal Camps S.J., representando a escultura de Cristo sobre a foice e o martelo, feita por este sacerdote, e que ela seria entregue ao Papa Francisco em sua visita.
Alguns quiseram ver na fisionomia de surpresa do Pontífice e nas palavras que teria dito na ocasião (“eso no esta bien”) uma certa rejeição da oferta feita pelo presidente socialista. Mas isso foi desmentido pelo porta voz do Vaticano, Pe. Lombardi, e implicitamente negado pelo Papa Francisco, na resposta que deu aos jornalistas, no voo de retorno a Roma.

O Papa não se sentiu ofendido

A jornalista Aura Miguel perguntou: “Santidade, o que sentiu quando viu a escultura da foice e o martelo com Cristo em cima, oferecida pelo presidente Morales? O que aconteceu com o objeto?”
O Pontífice respondeu que não sabia que o Pe. Luis Espinal  tivesse feito aquela escultura do crucificado sobre a foice e o martelo e ficou surpreso quando soube. Mas comentou que ele sabia bem que esse sacerdote era adepto da Teologia da Libertação marxista.
“Espinal,” disse o Papa, “era um entusiasta desta análise marxista da realidade, mas também da teologia, usando o marxismo. Esta foi a inspiração da obra.” Entretanto, Papa Francisco considera que esse  sacerdote, “foi um homem especial, com tanta genialidade humana, e que lutava de boa fé.” E explicou que o seu crucifixo “pode ser qualificado como do gênero de arte de protesto” razão pela qual, disse, “para mim, não foi uma ofensa”.

Singular exemplo de arte de protesto

Papa Francisco explicou que a “arte de protesto” que “em alguns casos, pode ser ofensiva”, mas não esclareceu se no caso presente era ofensiva.
Para ilustrar melhor o que é a “arte de protesto”, o Pontífice mencionou um escultor de Buenos Aires que era “um bom escultor, criativo,” e cuja arte “era arte de protesto”. Como exemplo dessa “criatividade”, comentou o Papa que ele fez  “um Cristo crucificado sobre um bombardeiro em queda”. Com essa obra, explicou o Papa, ele fazia “uma crítica ao cristianismo que teria se aliado com o imperialismo representado pelo bombardeiro”.
Leòn Ferrari
O referido artista é o falecido pró-comunista Léon Ferrari e a obra acima descrita pelo Papa pode ser vista no seu obituário publicado pelo The New York Times em 2013. Segundo esse jornal, Ferrari usava sua “arte” “contra a guerra, os governos e a religião”. Informa o mesmo jornal que esse “artista” fundou uma associação “dos ímpios, hereges, apóstatas, blasfemos, ateus, pagãos e infiéis”.

Medalhão depositado aos pés de Nossa Senhora

O Papa depôs o medalhão da foice e o martelo aos pés da imagem de Nossa Senhora de Copacabana, padroeira da Bolívia, e levou a escultura consigo para Roma.

Ensino por gestos simbólicos

Descritos sumariamente os fatos e, com todo o respeito devido ao Papa, é preciso analisá-los seguindo os conselhos do Papa Leão XIII, e fazendo uso da liberdade dos filhos de Deus (Romanos 8:21).[4]
Convém ressaltar que o Papa Francisco exerce seu Magistério Ordinário sobretudo por gestos simbólicos.[5] Mesmo um vaticanista liberal como John Allen expressou sua dificuldade em  analisar o ensino do atual Sumo Pontífice:
Analisar as palavras do Papa Francisco é uma empresa notoriamente perigosa, pois ele tende, por vezes, a dizer coisas que parecem quase deliberadamente abertas a múltiplas interpretações ─ lembre-se do ‘Quem sou eu para julgar?’ ─ e, em seguida, tirar uma carta da manga caso suas palavras provocarem reações políticas.”

Uma confusa explicação

O estupor causado entre os católicos pelo gesto simbólico do Papa em aceitar o medalhão e a escultura do crucifixo comunista, foi aumentado pelas explicações que ele deu aos jornalistas, fazendo entender que a irreverência sacrílega ao Redentor deixa de ter importância quando feita como “arte de protesto”:
“Fazendo tal hermenêutica, [de que se trata de arte de protesto] eu entendo esta obra. Para mim, não foi uma ofensa.”

Uma irreverência sacrílega

A figura adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo sempre foi tratada pelos católicos com todo o respeito possível.
O senso da fé dos fiéis,  ─ que “é uma espécie de instinto espiritual que capacita o fiel a julgar de forma espontânea se algum ensinamento particular ou determinada prática está ou não em conformidade com o Evangelho e com a fé apostólica[6] ─ foi chocado pela aceitação, pelo Papa, de representações de uma irreverência sacrílega, da figura sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que maior irreverência do que associar o símbolo do amor infinito de Deus, na imolação de Seu Filho Encarnado, com o símbolo do ódio comunista da luta de classes!
Ao mesmo tempo, o episódio do crucifixo comunista tende a enfraquecer o ensino constante e tradicional dos Papas de que “…comunismo, socialismo, nihilismo”, são  “deformidades horrendas”[7] e que catolicismo e socialismo são termos contraditórios.[8]
Esse choque foi aumentado pelo explosivo discurso feito pelo Papa aos “Movimentos sociais,” de cunho socialista[9], qualificado pelo mesmo Pe. Schall como “um verdadeiro discurso apocalítico e utópico”.

O Espírito Santo é “Espírito de Verdade”

O católico bem formado não deve se escandalizar quando, na Igreja, ocorrem episódios como o do crucifixo comunista envolvendo um papa. As promessas de Nosso Senhor, da indefectibilidade da Igreja e da assistência do Divino Paráclito não impedem que haja crises na Igreja, mas significa que ela sempre vencerá tais crises brilhando de novo com todo fulgor.
Por outro lado, não se pode atribuir ao Espírito Santo – cuja ajuda o homem pode rejeitar – ações que nosso senso católico e nossa inteligência nos mostram que não podem estar corretas. Pois o Espirito Santo é um “Espírito de verdade.” (João 16:13).

Confiança na Divina Providência, em Maria Santíssima

É nessas horas de crise que devemos ter maior confiança da Divina Providência e recorrer de modo mais especial à intercessão da Esposa do Espírito Santo, Mãe da Igreja, Maria Santíssima. Mantenhamo-nos fiéis pois Cristo Nosso Senhor não nos abandona:
“Venho em breve. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.” (Apoc. 3:11).
___________
[1] Breve Saepe numero, 28 de Agosto de 1883.
[2] Encíclica Depuis Le Jour, 8 de Setembro de 1899.
[3] Por exemplo, CBSNEWS July 13, 2015, 11:16 AM traz o título “Pope weighs in on ‘Communist crucifix’ and U.S. critics” acessado 15/8/15 at http://www.cbsnews.com/news/pope-francis-talks-communist-crucifix-and-us-critics/; NPR July 10, 2015, 11:29 AM ET entitles, “Bemused Or Irritated? Pope Reacts To Gift Of ‘Communist Crucifix’” acessado 15/8/15 em http://www.npr.org/sections/thetwo-way/2015/07/10/421747520/bemused-or-irritated-pope-reacts-to-gift-of-communist-crucifix (destaque nosso).
[4] Aliás essa liberdade, e mesmo obrigação, dos batizados está contemplada no Código de Direito Canônico, cânones 212, # 3; Cân. 225 § 1; Cân. 229 § 1.
[5] Cf. Arnaldo Xavier da Silveira, O Magistério ordinário pode ensinar por atos e gestos, http://www.arnaldoxavierdasilveira.com/2012/05/o-magisterio-ordinario-pode-ensinar-por.html.
[6] “Ele está intrinsecamente ligado à própria virtude da fé; decorre da fé e é uma propriedade dela. Pode ser comparado a um instinto, porque não é primariamente o resultado de deliberação racional, mas assume a forma de um conhecimento espontâneo e natural, um tipo de percepção.” (Commissão Teológica Internacional, O Sensus Fidei na vida da Igreja , 2014, n. 49),  em http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/cti_documents/rc_cti_20140610_sensus-fidei_po.html#1._O_sensus_fidei_como_instinto_da_f%C3%A9.
[7] Leo XIII, Enclica Diuturnum, 29 de Junho de 1881; Cf. Gustavo Solimeo, What the Popes Have to Say About Socialism,  http://www.tfp.org/tfp-home/catholic-perspective/what-the-popes-have-to-say-about-socialism.html.
[8] Pius XI, Encíclica Quadragesimo Anno, 15 de Maio de 1931.
[9] Cf. MST e Via Campesina no Vaticano – Mensagem de D. Bertrand de Orléans e Bragança ao Papa Francisco I,  http://ipco.org.br/ipco/noticias/comunistas-no-vaticano.

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