quinta-feira, 21 de maio de 2015

Cristãos divididos sobre o casamento gay



Católicos e protestantes atravessados por polarizações ideológicas muito fortes.

 


Por Henri Tincq

Pela primeira vez, na França, uma Igreja protestante abre caminho para a bênção religiosa do casamento homossexual, mas os partidários do “casamento para todos” não têm motivos para se alegrarem muito cedo.
A Igreja Protestante Unida, que reúne desde 2012 os dois grandes ramos históricos – luteranos e reformados – do protestantismo francês, adotaram, no domingo 17 de maio, em Sète, a “possibilidade” de uma bênção litúrgica em suas igrejas de casais do mesmo sexo “que querem colocar sua aliança diante de Deus”. Sendo um gesto de pura tolerância, manifestando o pragmatismo e o liberalismo tradicional dos “reformados” em matéria de costumes e de ética, está bem longe da tradição católica e evangélica, muito mais conservadora e rígida. Afinal, dizem eles, se todas as Igrejas militaram, com mais ou menos convicção, contra a Lei Taubira, sinal de que o casamento gay existe. É preciso admitir isso. Uma fé cristã bem compreendida não pode impedir que casais homossexuais entrem nos lugares de culto, caso assim o desejarem.
Mas, apesar deste gesto generoso, como ignorar que foram precisos, mesmo nesta parte mais progressista do protestantismo francês, anos de debate para chegar aonde chegaram! E, além disso, os pastores (e pastoras) luteranos e reformados poderão abençoar os casais gays casados no civil apenas com o consentimento do “conselho presbiteral” da sua paróquia. Na sequência, “equipes de coordenação” deverão aconselhá-los sobre o melhor acompanhamento e preparação dessas bênçãos litúrgicas. Se alguns desses pastores, mais resistentes à sua hierarquia, já fazem a bênção de casais gays à sua revelia, outros disseram que jamais aceitarão aplicar esta nova disposição adotada no domingo numa maioria bastante grande. E o Conselho Nacional dos Evangélicos da França já condenou esta “chocante decisão” dos seus “irmãos” protestantes.
Há avanços nesse tema tabu da homossexualidade, mas com quanta prudência! E como poderia ser de outra forma quando sabemos que a homossexualidade separa não apenas os protestantes, de temperamento mais liberal, e os católicos, mas divide a própria família protestante. Os protestantes evangélicos e pentecostais, na América do Norte e do Sul, na África, na Ásia, nos países da Europa do Norte e mesmo na França, onde agora são majoritários (sobre um total de 700.000 protestantes), são fundamentalmente hostis à homossexualidade. Para esses fundamentalistas cristãos, que se querem mais próximos da letra do Evangelho, a homossexualidade é uma proibição bíblica e um pecado grave.

Divisões que remontam aos grandes cismas

Mas são todas as grandes Igrejas protestantes mundo afora – anglicana, luterana, metodista, presbiteriana, reformada – que estão divididas. Elas são atravessadas por polarizações ideológicas muito fortes entre aqueles que defendem a exclusão dos homossexuais e aqueles que querem sua integração total nas comunidades. Estas Igrejas liberais toleram uma grande pluralidade de doutrinas e práticas e seus pontos de fricção dizem respeito não apenas às bênçãos de uniões do mesmo sexo, mas também à acolhida dos gays nas paróquias e seu acesso às funções de pastor e de bispo.
Há anos, por exemplo, o cisma na Igreja anglicana (80 milhões de fiéis no mundo) está consumado entre, de um lado, as “províncias” anglo-americanas, há muito tempo favoráveis às uniões homossexuais, às bênçãos, às vezes inclusive ao acesso de gays e de lésbicas aos “graus” de pastor (e bispo) e, do outro lado, os países anglicanos da África negra ou da Ásia, muito mais preocupados com a poligamia do que com a homossexualidade, que eles consideram como algo que vai contra a natureza.
Assim, essas Igrejas anglicanas do Sul romperam qualquer laço com sua “Igreja-irmã” dos Estados Unidos (chamada “episcopaliana”) que ousou ordenar, em 2003, um bispo abertamente homossexual, e com uma diocese anglicana do Canadá, que há muito tempo faz as bênçãos litúrgicas de casais do mesmo sexo.
E o que dizer do abismo que permanece, em relação à homossexualidade, com a Igreja católica romana? A decisão tomada na França pelos protestantes (em parte) de autorizar a bênção de casais gays e de lésbicas certamente não vai contribuir para o progresso nas relações ecumênicas no seio de um cristianismo sempre fraturado.
O que segue sendo um objeto de escândalo aos olhos de fiéis que se afligem com essas fraturas interiores sobre esses assuntos de moral, numa quadra da história em que a fé cristã não para de encolher, em que as comunidades mínguam ou desaparecem, em que as minorias cristãs, no Oriente Próximo, na África, na Índia, são perseguidas, ameaçadas em sua própria existência.
Como justificar, em 2015, divisões doutrinais que remontam aos grandes cismas do século XI (ruptura entre cristãos do Ocidente e cristãos do Oriente “ortodoxos”) e do século XVI (ruptura, entre os cristãos do Ocidente, entre os católicos romanos e os protestantes)?

Quando o papa Francisco emudece

O papa Francisco disse palavras de abertura muito fortes e eloquentes em relação às pessoas homossexuais (especialmente o “Quem sou eu para julgar?”, de julho de 2013). Da mesma forma, a doutrina católica sempre fez a “distinção” entre a “homossexualidade”, que ela condena firmemente, e as “pessoas homossexuais”, que ela respeita e pede para acolher nas comunidades. A questão da acolhida, nas igrejas católicas, dos gays e dos casais do mesmo sexo está, portanto, posta e comporta muitas reflexões e iniciativas.
Mas a questão das bênçãos religiosas de casais homossexuais casados – agora toleradas pela fração mais aberta do protestantismo – não está plenamente na ordem do dia na Igreja católica, para a qual o casamento é, em primeiro lugar e acima de tudo, um “sacramento”, ou seja, um “sinal de Deus”, e não um simples gesto humano, somente transmitido pelo padre encarregado do sagrado (nada a ver com o “pastor” protestante, que cumpre uma função).
Se a questão da acolhida dos fiéis homossexuais toca, pois, algumas comunidades católicas da base, ela é evidentemente rejeitada pela hierarquia. Até em Roma, onde cada vez mais observadores notam que – desde o fim do sínodo dos bispos sobre a família em outubro de 2014, o qual revelou profundas tensões sobre os divorciados recasados e especialmente sobre o lugar dos homossexuais – o papa Francisco tornou-se terrivelmente mudo sobre esses temas!


Slate, 19-05-2015.

*Tradução de André Langer.

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